Caros, é com um misto de pesar e alegria que eu comunico o fim deste blog. Eu sei, é triste, é ruim, é chato, mas não se preocupem porque eu não vou abandonar a blogsfera. É que agora eu penso em vôos mais altos.
Estou iniciando o projeto de um novo blog, que eu pretendo deixar ser muito mais ágil e pouco mais profissional, não que isso vá deixar a parada meio gélida ou algo parecida, mas será algo mais legal e dinâmico. Eu curti muito esse blog, a proposta, os posts, os contos e as amizades virtuais. Mas é chegada a hora.
Como eu estou focado no novo blog/site, quase não me sobra tempo para pensar em escrever nada por aqui – nem mesmo contos. Na verdade, eu não pretendo parar de escrever os contos, porém não terei mais esse espaço para publicação. Tentarei outros.
Sobre o novo projeto, já adianto que é sobre cinema e música, temas que eu já havia flertando nos últimos tempos e que cada vez mais me dá vontade de escrever sobre. No momento, esses são os assuntos que me interessam mais e que eu tenho mais tesão de escrever, portanto, serão eles que vocês, eu espero, irão ler.
Fiquem atentos aqui mesmo. Quando tudo estiver pronto eu posto aqui o novo endereço. Até breve.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009
Creolina
Em dia de futebol na comunidade o povo todo se alvoroçava. E não era diferente para Mário, mais conhecido como Zinho. Dono de uma habilidade duvidosa, o rapaz era sempre um dos últimos a serem escolhidos, mas nunca ficava de fora. Ele era o alvo de gozações da turma, aquele o qual seria sempre o papo ao final do jogo.
Mas ele nem ligava. Em 2008, tinha conseguido jogar praticamente todas as partidas, mas ainda faltava conquistar um título. Poderia ser qualquer um, até mesmo uma taça simbólica disputada em apenas uma partida entre São Cristóvão e Castelo Branco. Bairros distantes, mas que nutriam uma rivalidade especial. Era praticamente um clássico da várzea de Salvador, maior do que Piatã x Itapuã ou Nordeste x Vale das Pedrinhas. E Zinho era o atacante reserva de São Cristóvão.
No dia do jogo, ele acordou mais cedo do que o habitual. Sempre guardava suas roupas no armário recheado de creolina, que era pra dar um cheiro todo especial. É fato que o uniforme e as meias ficavam com um odor nauseante, mas isso pouco importava para o “quase-gol”, como era apelidado. A creolina era uma tradição familiar. Quando era pequeno, Zinho acordava de manhã com o cheiro do artefato vindo de suas roupas que sua mãe trazia para ele usar. E assim ficou. A creolina era, aliás, um dos motivos de gozação para o rapaz. Os amigos do futebol não perdoavam aquele cheiro nauseabundo e forte que vinha da camisa número 18 surrada. Zinho sorria e seguia em frente.
Mais tarde, quando todos já se preparavam para entrar em campo no tão esperado clássico, a esposa de Edmílson entrou em trabalho de parto e o principal atacante da equipe de São Cristóvão estava fora da partida. Sorte somente para Zinho, porque todo time lamentou a ausência do artilheiro. O substituto olhou em volta e viu toda comunidade reunida e não pestanejou em acenar, embora não obtivesse resultado. Corou, mas continuou a preparação.
O jogo foi como qualquer jogo de várzea: muita correria, vários passes errados, gols feios e muita confusão. Como não poderia ser diferente, Zinho também se envolveu em algumas brigas com os rivais, mas nada que mudasse o rumo da partida. E foi assim até o fim do jogo, com a vitória da equipe do número 18. Não marcou nenhum gol, mas ele saiu cantando um arrocha* meloso e provocativo, que rendeu-lhe, sem nem saber de onde partira, um soco no meio do rosto. Saiu atordoado do meio da confusão, mas avistou o adversário que corria em outra direção. Zinho tirou as chuteiras e correu atrás dele e só alcançou muitos metros depois, mas conseguiu encher o outro de porrada. Espancou de verdade e ficou com as mãos banhadas em sangue.
O time de Castelo Branco saiu humilhado e Zinho como um quase herói, mesmo não tendo marcado nenhum gol na partida. O churrasco do final do jogo foi bastante comemorado, com direito a muita cerveja e carne de segunda. Zinho dançava sem parar, chacoalhava seu cabelo e olhava as meninas de saia. Uma delas era Jaqueline, uma negra alta e um pouco gorda, mas que ostentava uma bunda que mexeu com a cabeça de rapaz. Os dois se entreolharam a festa toda, até que ela deu a senha e saiu do meio do pagode. Ele foi atrás e os dois se encontraram felizes com um beijo na entrada de uma viela. Escorregaram furtivamente para o lado escuro da rua e começaram uma dança sexual que só parou com o urro de gozo da moça, tapando o nariz para fugir do cheiro de creolina.
Zinho comentou com os amigos sobre Jaqueline, mas ninguém levou a sério, afinal, ninguém sabia quem era aquela mulher. Mesmo com descrição, nome e tudo mais, nenhum morador sabia quem era. Zinho continuava sendo alvo das chacotas alheias, mas pretendia acabar com aquilo. Com o telefone dela em mãos, ligou e marcou encontro com a moça, que veio, porém não chegou a entrar no bairro. Preferiu esperar o rapaz na praia de Itapuã, bem em frente à estátua de Iemanjá. Os dois conversaram e tomaram sorvete, mas não agüentaram de tesão e foram a um motel sujo da esquina. A primeira coisa que ela fez foi tirar a roupa dele, que exalava creolina por todo estabelecimento. Na saída, Zinho seguia sua sina de ser alvo de gozações, dessa vez porque o fedor de creolina se misturou ao do suor pós-coito sem banho, e a cena dantesca estava formada.
Mesmo com a tradição da creolina, Zinho levou seu romance em frente, embora Jaqueline não quisesse nunca entrar na comunidade. Marcava sempre em outros locais, mas nunca perto da casa dele e, claro, ele continuava sendo vítima da gozação dos amigos, que nunca viam sua bela namorada. Ainda assim, Zinho não se fez de rogado e manteve-se fiel a ela e, alguns meses depois, resolveu que iria casar. Jaqueline era só alegria.
Com a data do casamento marcada, Zinho enfim iria mostrar aos amigos sua noiva. E assim foi feito. Ninguém acreditou, pois a moça estava linda num vestido branco de noiva e doida para embarcar na lua de mel rumo a Aracaju. Quando se arrumava para embarcar no Uno 96 emprestado por Deco da padaria, Zinho mexia nas roupas cheirosas por um amaciante diferente. Por um momento achou estranho, pois aquela era a primeira vez em sua vida que um amaciante era usado em suas roupas. A sensação era muito boa, mas com o tempo foi passando. Assim como seu casamento.
De roupa lavada na máquina de lavar e embebida em bastante amaciante, Zinho pegou Jaqueline na cama com outro rapaz alguns meses depois do casamento. Era um homem que ele conhecia de algum lugar, mas era difícil de identificar, pois a cicatriz no rosto era imensa. Puxou a faca na cozinha e fez o homem confessar seu nome. Sim, era o mesmo que um ano atrás ele havia espancado no clássico de futebol. Isso aumentou ainda mais a raiva de Zinho, que matou o outro com cinco facadas. Antes de estrangular a mulher, amarrou-a na cadeira e a botou para assisti-lo lavar roupa do mesmo jeito que ele sempre lavou: com bastante sabão de coco e uma boa dose de pastilhas de creolina para conservar.
Mas ele nem ligava. Em 2008, tinha conseguido jogar praticamente todas as partidas, mas ainda faltava conquistar um título. Poderia ser qualquer um, até mesmo uma taça simbólica disputada em apenas uma partida entre São Cristóvão e Castelo Branco. Bairros distantes, mas que nutriam uma rivalidade especial. Era praticamente um clássico da várzea de Salvador, maior do que Piatã x Itapuã ou Nordeste x Vale das Pedrinhas. E Zinho era o atacante reserva de São Cristóvão.
No dia do jogo, ele acordou mais cedo do que o habitual. Sempre guardava suas roupas no armário recheado de creolina, que era pra dar um cheiro todo especial. É fato que o uniforme e as meias ficavam com um odor nauseante, mas isso pouco importava para o “quase-gol”, como era apelidado. A creolina era uma tradição familiar. Quando era pequeno, Zinho acordava de manhã com o cheiro do artefato vindo de suas roupas que sua mãe trazia para ele usar. E assim ficou. A creolina era, aliás, um dos motivos de gozação para o rapaz. Os amigos do futebol não perdoavam aquele cheiro nauseabundo e forte que vinha da camisa número 18 surrada. Zinho sorria e seguia em frente.
Mais tarde, quando todos já se preparavam para entrar em campo no tão esperado clássico, a esposa de Edmílson entrou em trabalho de parto e o principal atacante da equipe de São Cristóvão estava fora da partida. Sorte somente para Zinho, porque todo time lamentou a ausência do artilheiro. O substituto olhou em volta e viu toda comunidade reunida e não pestanejou em acenar, embora não obtivesse resultado. Corou, mas continuou a preparação.
O jogo foi como qualquer jogo de várzea: muita correria, vários passes errados, gols feios e muita confusão. Como não poderia ser diferente, Zinho também se envolveu em algumas brigas com os rivais, mas nada que mudasse o rumo da partida. E foi assim até o fim do jogo, com a vitória da equipe do número 18. Não marcou nenhum gol, mas ele saiu cantando um arrocha* meloso e provocativo, que rendeu-lhe, sem nem saber de onde partira, um soco no meio do rosto. Saiu atordoado do meio da confusão, mas avistou o adversário que corria em outra direção. Zinho tirou as chuteiras e correu atrás dele e só alcançou muitos metros depois, mas conseguiu encher o outro de porrada. Espancou de verdade e ficou com as mãos banhadas em sangue.
O time de Castelo Branco saiu humilhado e Zinho como um quase herói, mesmo não tendo marcado nenhum gol na partida. O churrasco do final do jogo foi bastante comemorado, com direito a muita cerveja e carne de segunda. Zinho dançava sem parar, chacoalhava seu cabelo e olhava as meninas de saia. Uma delas era Jaqueline, uma negra alta e um pouco gorda, mas que ostentava uma bunda que mexeu com a cabeça de rapaz. Os dois se entreolharam a festa toda, até que ela deu a senha e saiu do meio do pagode. Ele foi atrás e os dois se encontraram felizes com um beijo na entrada de uma viela. Escorregaram furtivamente para o lado escuro da rua e começaram uma dança sexual que só parou com o urro de gozo da moça, tapando o nariz para fugir do cheiro de creolina.
Zinho comentou com os amigos sobre Jaqueline, mas ninguém levou a sério, afinal, ninguém sabia quem era aquela mulher. Mesmo com descrição, nome e tudo mais, nenhum morador sabia quem era. Zinho continuava sendo alvo das chacotas alheias, mas pretendia acabar com aquilo. Com o telefone dela em mãos, ligou e marcou encontro com a moça, que veio, porém não chegou a entrar no bairro. Preferiu esperar o rapaz na praia de Itapuã, bem em frente à estátua de Iemanjá. Os dois conversaram e tomaram sorvete, mas não agüentaram de tesão e foram a um motel sujo da esquina. A primeira coisa que ela fez foi tirar a roupa dele, que exalava creolina por todo estabelecimento. Na saída, Zinho seguia sua sina de ser alvo de gozações, dessa vez porque o fedor de creolina se misturou ao do suor pós-coito sem banho, e a cena dantesca estava formada.
Mesmo com a tradição da creolina, Zinho levou seu romance em frente, embora Jaqueline não quisesse nunca entrar na comunidade. Marcava sempre em outros locais, mas nunca perto da casa dele e, claro, ele continuava sendo vítima da gozação dos amigos, que nunca viam sua bela namorada. Ainda assim, Zinho não se fez de rogado e manteve-se fiel a ela e, alguns meses depois, resolveu que iria casar. Jaqueline era só alegria.
Com a data do casamento marcada, Zinho enfim iria mostrar aos amigos sua noiva. E assim foi feito. Ninguém acreditou, pois a moça estava linda num vestido branco de noiva e doida para embarcar na lua de mel rumo a Aracaju. Quando se arrumava para embarcar no Uno 96 emprestado por Deco da padaria, Zinho mexia nas roupas cheirosas por um amaciante diferente. Por um momento achou estranho, pois aquela era a primeira vez em sua vida que um amaciante era usado em suas roupas. A sensação era muito boa, mas com o tempo foi passando. Assim como seu casamento.
De roupa lavada na máquina de lavar e embebida em bastante amaciante, Zinho pegou Jaqueline na cama com outro rapaz alguns meses depois do casamento. Era um homem que ele conhecia de algum lugar, mas era difícil de identificar, pois a cicatriz no rosto era imensa. Puxou a faca na cozinha e fez o homem confessar seu nome. Sim, era o mesmo que um ano atrás ele havia espancado no clássico de futebol. Isso aumentou ainda mais a raiva de Zinho, que matou o outro com cinco facadas. Antes de estrangular a mulher, amarrou-a na cadeira e a botou para assisti-lo lavar roupa do mesmo jeito que ele sempre lavou: com bastante sabão de coco e uma boa dose de pastilhas de creolina para conservar.
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
Obama nas alturas
A globalização é um troço curioso. Daqui a pouco vai passar um filme de Orson Wells de 1958 na TV e isso é maravilhoso; quem poderia dizer que não? Porém daqui a pouco vai passar na TV, em um outro canal, uma propaganda curiosa, para não dizer tosca, sem criatividade e oportunista. Estamos falando de Obama no carnaval de Salvador.
Muito estranho, mas é verdade. Não que Obama venha para o carnaval de Salvador, ele estará longe daqui. É que o jingle oficial do carnaval tem como tema Barack Obama, o novo presidente dos EUA, um país lá do Norte. Eu sei, todo mundo fala dele, ele é a esperança do mundo, etc. e tal, mas colocá-lo como tema central de uma campanha de carnaval leva a quê? Eu juro que daria (quase) tudo por um explicação plausível.
O autor da lambança é Nizan Guanaes, esperto publicitário baiano que há 2 anos negocia as cotas de patrocínio da folia momesca na capital. Antes disso, a prefeitura incompetente mal conseguia fechar acordos de R$3 milhões, o que hoje representa apenas 1/3 da fatia do bolo publicitário. Resumindo a história para boi dormir: Nizan, e seu holding Tudo-OCP, controla o carnaval da Bahia. É, isso mesmo. Se a tarefa dele falhar, não rola. Trio não sai, ninguém vai pra rua. E aí temos que aturar um jingle que, ao invés de estar falando das belezas do Estado ou da nossa cultura, cai no oportunismo de verão.
É por essas e outras que eu não boto fé em Obama. Na minha humilde opinião, o governo será um fracasso ao fim dos quatro anos de mandato. Por um simples motivo: nenhum ser humano é capaz de fazer tudo que querem dele, como é o caso de Barack. Então, será frustração só, na maioria culpa de pessoas sem o mínimo senso de realidade que depositam em apenas uma pessoa o futuro de suas vidas. Voltando à Bahia, a transformação de Obama em fenômeno pop só tem lado ruim, porque eu mudo meu nome pra Chica se existe ou já existiu algum fenômeno pop grandioso que não se deu mal na vida. A figura dele, portanto, é alçado a de um Deus. Parece até que fugi do tema, mas não. Obama no jingle oficial do carnaval (que vai encher o saco de tanto que vai tocar daqui até quarta-feira de cinzas) é o exemplo de uma glamorização da figura de um ser humano, que virou cultura pop e não tem mais volta. Vai glamorizar, passar o carnaval e jogar o jingle no lixo. O que deveríamos estar discutindo em relação ao novo presidente dos EUA? Muita coisa, menos isso. E a nossa cultura? Esse ano, pelo que me lembre, os homenageados do carnaval eram os blocos de afoxé, isto é, típicas manifestações culturais da cidade.
E existe uma grande diferença disso tudo que eu falei com a “boa” referência. A sutileza e o bom gosto (meio maniqueísta, é verdade, mas nesse caso eu concordo) são virtudes, pois eu li um hilariante Cordel sobre a passagem de Osama Bin Laden pelo carnaval de Salvador. Imperdível. Usa-se um figura mundialmente conhecida, dialoga com a cultura local e tem um propósito: a sátira. E é comédia e naturalista ao mesmo tempo. É Bahia, nordeste. Barack Obama como tema do jingle do carnaval de Salvador, cada vez mais vendido e excludente, é oportunismo puro. Ele que não saiba.
Muito estranho, mas é verdade. Não que Obama venha para o carnaval de Salvador, ele estará longe daqui. É que o jingle oficial do carnaval tem como tema Barack Obama, o novo presidente dos EUA, um país lá do Norte. Eu sei, todo mundo fala dele, ele é a esperança do mundo, etc. e tal, mas colocá-lo como tema central de uma campanha de carnaval leva a quê? Eu juro que daria (quase) tudo por um explicação plausível.
O autor da lambança é Nizan Guanaes, esperto publicitário baiano que há 2 anos negocia as cotas de patrocínio da folia momesca na capital. Antes disso, a prefeitura incompetente mal conseguia fechar acordos de R$3 milhões, o que hoje representa apenas 1/3 da fatia do bolo publicitário. Resumindo a história para boi dormir: Nizan, e seu holding Tudo-OCP, controla o carnaval da Bahia. É, isso mesmo. Se a tarefa dele falhar, não rola. Trio não sai, ninguém vai pra rua. E aí temos que aturar um jingle que, ao invés de estar falando das belezas do Estado ou da nossa cultura, cai no oportunismo de verão.
É por essas e outras que eu não boto fé em Obama. Na minha humilde opinião, o governo será um fracasso ao fim dos quatro anos de mandato. Por um simples motivo: nenhum ser humano é capaz de fazer tudo que querem dele, como é o caso de Barack. Então, será frustração só, na maioria culpa de pessoas sem o mínimo senso de realidade que depositam em apenas uma pessoa o futuro de suas vidas. Voltando à Bahia, a transformação de Obama em fenômeno pop só tem lado ruim, porque eu mudo meu nome pra Chica se existe ou já existiu algum fenômeno pop grandioso que não se deu mal na vida. A figura dele, portanto, é alçado a de um Deus. Parece até que fugi do tema, mas não. Obama no jingle oficial do carnaval (que vai encher o saco de tanto que vai tocar daqui até quarta-feira de cinzas) é o exemplo de uma glamorização da figura de um ser humano, que virou cultura pop e não tem mais volta. Vai glamorizar, passar o carnaval e jogar o jingle no lixo. O que deveríamos estar discutindo em relação ao novo presidente dos EUA? Muita coisa, menos isso. E a nossa cultura? Esse ano, pelo que me lembre, os homenageados do carnaval eram os blocos de afoxé, isto é, típicas manifestações culturais da cidade.
E existe uma grande diferença disso tudo que eu falei com a “boa” referência. A sutileza e o bom gosto (meio maniqueísta, é verdade, mas nesse caso eu concordo) são virtudes, pois eu li um hilariante Cordel sobre a passagem de Osama Bin Laden pelo carnaval de Salvador. Imperdível. Usa-se um figura mundialmente conhecida, dialoga com a cultura local e tem um propósito: a sátira. E é comédia e naturalista ao mesmo tempo. É Bahia, nordeste. Barack Obama como tema do jingle do carnaval de Salvador, cada vez mais vendido e excludente, é oportunismo puro. Ele que não saiba.
Marcadores:
2009,
barack obama,
carnaval,
jingle
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
Réquiem
Em 2005 eu fui pela primeira vez à Bahia. Aportei inicialmente em Ilhéus e depois em Salvador, uma terra linda. Não sei como as pessoas podem reclamar de morar lá. Eu adorei, principalmente porque conheci um rapaz muito engraçado, de óculos de astes vermelhas e um sotaque diferente. Parecia que não era de lá.
Mas era. Eu sou surda e ele cego; vocês já podem imaginar como era difícil me comunicar com ele. Zé adorava conversar e contar casos para um monte de gente, mas justo eu, que gostei tanto dele, não podia ouvir uma palavra sequer. Fico emergida na minha imensidão calada, presa em meus pensamentos e no que vejo.
Desde que nos conhecemos, nós trocamos cartas. Como ele perdeu a visão ao longo da vida, ainda restava-lhe um pouco de habilidade para escrever. A grafia de Zé era terrível, mas quem liga? Eu ficava apreensiva esperando as cartas chegarem. Elas nunca foram muito freqüentes porque eu viajo muito e fica difícil precisar quando estarei em determinado local. Mas nós tentamos. E foi assim que eu comecei a receber correspondências dele. Primeiro na Argélia, depois na Argentina, Estados Unidos, Guatemala e muitos outros lugares. Eu gosto quando ele descreve o terminal.
O terminal na visão dele é um zoológico humano, cheio de entidades vivas com histórias de vida das mais estranhas possíveis. Ou não, a normalidade da vida delas é que as torna tão peculiares e diferentes. Eu prefiro pensar assim, embora Zé não concordasse comigo. Ele defendia uma história do início ao fim sem mudar uma vírgula sequer, e não gostava que quem quer seja ficasse fazendo confabulações filosóficas. Eu então deixo para mim mesmo.
Nesse verão então foi minha oportunidade de vê-lo. A única em anos. Eu confesso que não sei como ele soube da minha chegada, mas, para minha surpresa, a minha surpresa foi em vão. No dia que eu aportei em Salvador fui direto ao terminal marítimo. Lá estava ele, sentado em seu banco de madeira, sozinho, mas com cabelos penteados e algo embrulhado nas mãos. Ainda fiquei uns minutos observando Zé de longe, com toda sua inquietude, mas também com sua elegância de sempre. Gelei, e confesso que não sei por quê.
O encontro foi ótimo e tranqüilo, com muitas dificuldades na comunicação. Preferimos simplesmente ficar sentados, um ao lado do outro, observando quem passava. Essa, aliás, era a tarefa preferida dele e eu sabia porque já me havia contado por carta. E me contou muitas histórias, que enfim eu pude ver naquele dia no terminal.
Olhei para todos os lados à procura de Luzia, a lavadeira. Não vi ninguém com a descrição que ele me deu. Procurei também Geraldo, o homem das mil sacolas que entregava a um monte de gente. Nenhum sinal. O que dizer então de Memé e os vários travestis que Zé achava bonitos? Nada. Homens do cais eu até vi, mas nenhum com a opulência e a brutalidade de Alemão. Foi até um pouco frustrante, mas nada que abalasse a minha admiração por Zé.
Hoje, no dia do seu enterro, eu entendo perfeitamente tudo que lhe consumia, tudo que lhe corria pela mente e tudo que lhe movia. Lendo a última carta que ele me enviaria – ficou pronta e endereçada, mas não chegou a mandar – mais fatos ficaram claros. Luzia era sua mãe, mulher batalhadora e forte que não poupava esforços para dar o melhor aos filhos. Geraldo era o tio, que também foi importante na vida do rapaz, sempre presente nas horas mais inglórias, assim como o primo Memé, que sabia muito das coisas porque lia enciclopédias encontradas no lixo. Os travestis formavam o imaginário do rapaz porque existia um bordel cheio deles ao lado da casa da família de Zé. E Alemão era o pai, sim, um pai distante e cheio de mistérios, mas que nem por isso Zé deixava de nutrir um carinho especial.
Não, ele não disse isso na última carta. Eu é que sou ousada o bastante para tentar ver o mundo como só ele conseguia.
Mas era. Eu sou surda e ele cego; vocês já podem imaginar como era difícil me comunicar com ele. Zé adorava conversar e contar casos para um monte de gente, mas justo eu, que gostei tanto dele, não podia ouvir uma palavra sequer. Fico emergida na minha imensidão calada, presa em meus pensamentos e no que vejo.
Desde que nos conhecemos, nós trocamos cartas. Como ele perdeu a visão ao longo da vida, ainda restava-lhe um pouco de habilidade para escrever. A grafia de Zé era terrível, mas quem liga? Eu ficava apreensiva esperando as cartas chegarem. Elas nunca foram muito freqüentes porque eu viajo muito e fica difícil precisar quando estarei em determinado local. Mas nós tentamos. E foi assim que eu comecei a receber correspondências dele. Primeiro na Argélia, depois na Argentina, Estados Unidos, Guatemala e muitos outros lugares. Eu gosto quando ele descreve o terminal.
O terminal na visão dele é um zoológico humano, cheio de entidades vivas com histórias de vida das mais estranhas possíveis. Ou não, a normalidade da vida delas é que as torna tão peculiares e diferentes. Eu prefiro pensar assim, embora Zé não concordasse comigo. Ele defendia uma história do início ao fim sem mudar uma vírgula sequer, e não gostava que quem quer seja ficasse fazendo confabulações filosóficas. Eu então deixo para mim mesmo.
Nesse verão então foi minha oportunidade de vê-lo. A única em anos. Eu confesso que não sei como ele soube da minha chegada, mas, para minha surpresa, a minha surpresa foi em vão. No dia que eu aportei em Salvador fui direto ao terminal marítimo. Lá estava ele, sentado em seu banco de madeira, sozinho, mas com cabelos penteados e algo embrulhado nas mãos. Ainda fiquei uns minutos observando Zé de longe, com toda sua inquietude, mas também com sua elegância de sempre. Gelei, e confesso que não sei por quê.
O encontro foi ótimo e tranqüilo, com muitas dificuldades na comunicação. Preferimos simplesmente ficar sentados, um ao lado do outro, observando quem passava. Essa, aliás, era a tarefa preferida dele e eu sabia porque já me havia contado por carta. E me contou muitas histórias, que enfim eu pude ver naquele dia no terminal.
Olhei para todos os lados à procura de Luzia, a lavadeira. Não vi ninguém com a descrição que ele me deu. Procurei também Geraldo, o homem das mil sacolas que entregava a um monte de gente. Nenhum sinal. O que dizer então de Memé e os vários travestis que Zé achava bonitos? Nada. Homens do cais eu até vi, mas nenhum com a opulência e a brutalidade de Alemão. Foi até um pouco frustrante, mas nada que abalasse a minha admiração por Zé.
Hoje, no dia do seu enterro, eu entendo perfeitamente tudo que lhe consumia, tudo que lhe corria pela mente e tudo que lhe movia. Lendo a última carta que ele me enviaria – ficou pronta e endereçada, mas não chegou a mandar – mais fatos ficaram claros. Luzia era sua mãe, mulher batalhadora e forte que não poupava esforços para dar o melhor aos filhos. Geraldo era o tio, que também foi importante na vida do rapaz, sempre presente nas horas mais inglórias, assim como o primo Memé, que sabia muito das coisas porque lia enciclopédias encontradas no lixo. Os travestis formavam o imaginário do rapaz porque existia um bordel cheio deles ao lado da casa da família de Zé. E Alemão era o pai, sim, um pai distante e cheio de mistérios, mas que nem por isso Zé deixava de nutrir um carinho especial.
Não, ele não disse isso na última carta. Eu é que sou ousada o bastante para tentar ver o mundo como só ele conseguia.
Marcadores:
cegueira,
conto,
imaginação,
salvador,
surdez
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
Dois Sentidos
Sentado nesse banco de madeira eu vejo muita gente. A maioria eu até conheço, mas poucos falam comigo. O pessoal do terminal passa geralmente muito rápido, muito mais preocupados com o que vão encontrar do outro lado. Na verdade, sempre sabem; e esse é o problema.
Eu vendo coxinhas e outros salgados no terminal. Suco. Tem suco também, mas sempre tem uns desavisados que perguntam se tem refrigerante. Não, não tem refrigerante. Os sucos dependem da estação, mas também tem sempre uns desavisados que perguntam pelos sucos mais absurdos possíveis. Não vendo isso. Eu vendo esses salgados gordurosos que tapam o buraco do estômago de estranhos em busca de refeições para saciar de verdade a fome.
Daqui eu vejo muitos passarem. Tem a Luzia, uma lavadeira negra e forte que cruza o mar todo dia para lavar roupa na cidade alta. Primeiro ela pega o Ferry Boat* em Vera Cruz, passa 40 minutos chacoalhando no mar, salta aqui no terminal, anda mais uns 15 minutos, sobe o Elevador Lacerda, anda mais uns 40 minutos e chega ao local de trabalho. A volta é o caminho inverso, exaustivo, mas ela sempre tem tempo de passar por aqui na lanchonete e comprar uma carteira de cigarro. Eu acho que ela fuma uma carteira por dia. É muito.
Muito mesmo é o número de sacolas que Geraldo traz semanalmente nas mãos. É impossível precisar quantas, já que elas se amontoam de uma maneira incrível e se misturam num balé mambembe. Ele distribui algumas para os camelôs do terminal e segue viagem em direção à ilha, qual eu não sei. Segue sempre com um sorriso no rosto, a camisa aberta no peito e dezenas de santinhos pendurados. Eu acho que ele é um homem de fé, como se dizem.
É engraçado que Memé não deixa de vir aqui pelo menos uma vez na semana. Roda o terminal todo, analisa cada vendedor, cada segurança... E roda mais um pouco. Depois de horas nesse ciclo, ele senta do lado de alguém vendendo café e toma um atrás do outro. Fala de trivialidades cotidianas e carros. Pela aparência, parece que nunca entrou num carro, mas fala deles com uma propriedade magnífica. Um dia até eu fiquei ouvindo ele comparar os carros antigos com os de hoje, potência de motor, arrancada, freios e tudo mais. Eu acho que ele lê revistas do gênero.
O balaio de gêneros é grande por aqui. Vejo sempre travestis e outras figuras andróginas em busca de gringos, e isso acontece muito no verão. Cruzam mais do lado de lá da ilha, vindo cá para Salvador sedentos por sexo. Artur – creio que seja o nome dele – é um deles. Faz todo o caminho se rebolando e chega até enganar alguns homens desavisados. É realmente bonita, artisticamente falando. Uma vez parou aqui e comprou duas coxinhas, um quibe e dois copos de suco. Devorou tudo em menos de 5 minutos, numa voracidade só comparada aos homens do cais. Eu acho que esse é o único lado masculino dela.
Os homens do cais, aliás, são muitos. Eles vêm e vão, se misturam na multidão que na maioria das vezes não dá nem para diferenciar. São altos e fortes, obviamente, mas nenhum comparado ao negro Alemão, apelido ganho num trocadilho com a sua cor. Come geralmente três coxinhas, arrota, cospe no chão e puxa o cigarro. Depois de acender, olha para os lados e chama alguma mulher de gostosa. Eu só acompanho com os olhos o ritual do rapaz, que sempre se esquece do suco. Eu aviso, mas ele diz: “põe na conta. Um dia eu vou cobrar, categoria”. Eu acho mesmo que um dia ele vem cobrar.
A sexta-feira é o dia mais cheio. À noite, sempre por volta das 19h, eu sempre avisto Verdade. Ele é alto, mas tão alto que tem pernas descomunais de tão grande, o contrário da mentira, que tem pernas curtas. Sempre apressado, Verdade carrega uma sacola na mão e um ramalhete de flores na outra. Olhando de longe, ele faz o tipo marido modelo, mas já ouvi histórias das mais cabeludas a respeito dele. Dizem que as flores são para mulheres diferentes, que ele tenta agradar num bordel em Itaparica. Outros dizem que é para a esposa, que fica na ilha enquanto ele trabalha em Salvador durante a semana. Eu acho mesmo que Verdade deve fazer jus ao seu nome.
Nome mesmo de grande valor e peso na Bahia tem um velho gordo e de bigode que passa por aqui em muitos fins de semana do ano. O ritual dele é sempre parar na frente do terminal e tomar uma cerveja, enquanto fala ao celular. Depois, entra no terminal com sua maleta e uma sacola, balançando para lá e para cá, arreia os fardos no chão e pede um risole de camarão. Se ele soubesse de onde vem esse camarão, duvido que voltasse a comer. Nem eu sei. Eu escolho o mais velho e borrachudo, mas o velho gordo nunca reclama. Deve ter dor de barriga todo fim de semana, mas duvido que descubra que é devido ao camarão estragado. Ele come demais. Além daqui, ainda vai no crepe de Dona Maria e no churros de Seu Evaldo. Eu acho que no caminho ainda come um pouco mais.
E lá de longe eu vejo um navio grande apitar. Nessa época do ano, em janeiro, alguns cruzeiros internacionais cruzam mares e ondas mundo afora e aportam aqui. Alguns são corriqueiros, como esse que acabo de ver aportar perto daqui. É azul. O mesmo de todos os anos. Nele a minha esperança.
Sentado nesse banco de madeira eu vejo muita gente. Eu vejo na minha mente, porque sou cego. No navio que chega agora, eu deposito minhas esperanças de rever uma amiga linda e de olhos verdes. Só ela me entende; é surda.
Eu vendo coxinhas e outros salgados no terminal. Suco. Tem suco também, mas sempre tem uns desavisados que perguntam se tem refrigerante. Não, não tem refrigerante. Os sucos dependem da estação, mas também tem sempre uns desavisados que perguntam pelos sucos mais absurdos possíveis. Não vendo isso. Eu vendo esses salgados gordurosos que tapam o buraco do estômago de estranhos em busca de refeições para saciar de verdade a fome.
Daqui eu vejo muitos passarem. Tem a Luzia, uma lavadeira negra e forte que cruza o mar todo dia para lavar roupa na cidade alta. Primeiro ela pega o Ferry Boat* em Vera Cruz, passa 40 minutos chacoalhando no mar, salta aqui no terminal, anda mais uns 15 minutos, sobe o Elevador Lacerda, anda mais uns 40 minutos e chega ao local de trabalho. A volta é o caminho inverso, exaustivo, mas ela sempre tem tempo de passar por aqui na lanchonete e comprar uma carteira de cigarro. Eu acho que ela fuma uma carteira por dia. É muito.
Muito mesmo é o número de sacolas que Geraldo traz semanalmente nas mãos. É impossível precisar quantas, já que elas se amontoam de uma maneira incrível e se misturam num balé mambembe. Ele distribui algumas para os camelôs do terminal e segue viagem em direção à ilha, qual eu não sei. Segue sempre com um sorriso no rosto, a camisa aberta no peito e dezenas de santinhos pendurados. Eu acho que ele é um homem de fé, como se dizem.
É engraçado que Memé não deixa de vir aqui pelo menos uma vez na semana. Roda o terminal todo, analisa cada vendedor, cada segurança... E roda mais um pouco. Depois de horas nesse ciclo, ele senta do lado de alguém vendendo café e toma um atrás do outro. Fala de trivialidades cotidianas e carros. Pela aparência, parece que nunca entrou num carro, mas fala deles com uma propriedade magnífica. Um dia até eu fiquei ouvindo ele comparar os carros antigos com os de hoje, potência de motor, arrancada, freios e tudo mais. Eu acho que ele lê revistas do gênero.
O balaio de gêneros é grande por aqui. Vejo sempre travestis e outras figuras andróginas em busca de gringos, e isso acontece muito no verão. Cruzam mais do lado de lá da ilha, vindo cá para Salvador sedentos por sexo. Artur – creio que seja o nome dele – é um deles. Faz todo o caminho se rebolando e chega até enganar alguns homens desavisados. É realmente bonita, artisticamente falando. Uma vez parou aqui e comprou duas coxinhas, um quibe e dois copos de suco. Devorou tudo em menos de 5 minutos, numa voracidade só comparada aos homens do cais. Eu acho que esse é o único lado masculino dela.
Os homens do cais, aliás, são muitos. Eles vêm e vão, se misturam na multidão que na maioria das vezes não dá nem para diferenciar. São altos e fortes, obviamente, mas nenhum comparado ao negro Alemão, apelido ganho num trocadilho com a sua cor. Come geralmente três coxinhas, arrota, cospe no chão e puxa o cigarro. Depois de acender, olha para os lados e chama alguma mulher de gostosa. Eu só acompanho com os olhos o ritual do rapaz, que sempre se esquece do suco. Eu aviso, mas ele diz: “põe na conta. Um dia eu vou cobrar, categoria”. Eu acho mesmo que um dia ele vem cobrar.
A sexta-feira é o dia mais cheio. À noite, sempre por volta das 19h, eu sempre avisto Verdade. Ele é alto, mas tão alto que tem pernas descomunais de tão grande, o contrário da mentira, que tem pernas curtas. Sempre apressado, Verdade carrega uma sacola na mão e um ramalhete de flores na outra. Olhando de longe, ele faz o tipo marido modelo, mas já ouvi histórias das mais cabeludas a respeito dele. Dizem que as flores são para mulheres diferentes, que ele tenta agradar num bordel em Itaparica. Outros dizem que é para a esposa, que fica na ilha enquanto ele trabalha em Salvador durante a semana. Eu acho mesmo que Verdade deve fazer jus ao seu nome.
Nome mesmo de grande valor e peso na Bahia tem um velho gordo e de bigode que passa por aqui em muitos fins de semana do ano. O ritual dele é sempre parar na frente do terminal e tomar uma cerveja, enquanto fala ao celular. Depois, entra no terminal com sua maleta e uma sacola, balançando para lá e para cá, arreia os fardos no chão e pede um risole de camarão. Se ele soubesse de onde vem esse camarão, duvido que voltasse a comer. Nem eu sei. Eu escolho o mais velho e borrachudo, mas o velho gordo nunca reclama. Deve ter dor de barriga todo fim de semana, mas duvido que descubra que é devido ao camarão estragado. Ele come demais. Além daqui, ainda vai no crepe de Dona Maria e no churros de Seu Evaldo. Eu acho que no caminho ainda come um pouco mais.
E lá de longe eu vejo um navio grande apitar. Nessa época do ano, em janeiro, alguns cruzeiros internacionais cruzam mares e ondas mundo afora e aportam aqui. Alguns são corriqueiros, como esse que acabo de ver aportar perto daqui. É azul. O mesmo de todos os anos. Nele a minha esperança.
Sentado nesse banco de madeira eu vejo muita gente. Eu vejo na minha mente, porque sou cego. No navio que chega agora, eu deposito minhas esperanças de rever uma amiga linda e de olhos verdes. Só ela me entende; é surda.
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
Turismo Sexual
Eu já falei mais ou menos desse tema, porém é difícil não retornar a ele. A inquietação vem do fato que eu, e muitos dos meus leitores, vivem a realidade no cotidiano. Nosso verão é marcado por festas e o velho mito da alegria baiana, num momento em que se esquece de tudo para dar aos turistas tudo que eles querem: sexo.
Eu estava até conversando com um amigo essa semana sobre o valor do sexo na nossa sociedade. É demasiado, só para encurtar a conversa. Tudo desemboca no casamento e relações amorosas que, no final das contas, dá no sexo. É só pensar naquela mulher chata do seu trabalho, que vive enchendo o saco com perguntas ou trabalhos sem a mínima necessidade. A conclusão da maioria é que ela é mal comida. Ora, nós baianos pensamos assim e me envergonha até que em muitos casos eu corroborei com essa assertiva.
Pois aqui o sexo é o centro do nosso turismo. Se em décadas passadas a valorização era do bem-estar e da tranqulidade (preguiça para os sulistas), hoje o apelo é sexual. O que seriam então o carnaval e as festas do verão? Volto a lembrar: você que não conhece o verão de Salvador desconhece o que estou dizendo. É um negócio que, se analisado de uma maneira fria como estou fazendo, dá nojo. Todos os olhos, ouvidos e bocas estão concentrados na satisfação sexual dos outros. Tem que ter festa, tem que ter vida noturna diária e envolvente, tem que ter mulher. O turista não vem a Salvador atrás de cultura e tranqüilidade – isso ele faz indo a alguns destinos do nosso Litoral Norte -, vem sim atrás de putaria, com todas as letras que o diabo gosta.
É estranho porque parece que essa é uma opinião xenófoba, e eu odeio xenofobismo. Não, é uma opinião calcada na realidade. Nossa cidade (incluo até outros destinos da Bahia, como Porto Seguro e região) está virando um puteiro no verão. Um puteiro legitimado e apregoado por boa parte da sociedade jovem local, sedenta por coxas e vaginas. Puteiro é uma coisa ruim? De forma alguma, mas o que estamos vivendo é uma exarcebação da significação do termo e uma enraização da putaria pura e simples.
A esperança mora na mente daqueles que pensam a cultura local. Elogiei aqui e continuo elogiando, mas falta agora tomar as rédeas também do verão, dominado pelo hedonismo puro, barato e turístico.
É, estou meio azedo esses dias. Lembro-me agora de uma frase do grande Cláudio Assis: “faço porque dói”.
Eu estava até conversando com um amigo essa semana sobre o valor do sexo na nossa sociedade. É demasiado, só para encurtar a conversa. Tudo desemboca no casamento e relações amorosas que, no final das contas, dá no sexo. É só pensar naquela mulher chata do seu trabalho, que vive enchendo o saco com perguntas ou trabalhos sem a mínima necessidade. A conclusão da maioria é que ela é mal comida. Ora, nós baianos pensamos assim e me envergonha até que em muitos casos eu corroborei com essa assertiva.
Pois aqui o sexo é o centro do nosso turismo. Se em décadas passadas a valorização era do bem-estar e da tranqulidade (preguiça para os sulistas), hoje o apelo é sexual. O que seriam então o carnaval e as festas do verão? Volto a lembrar: você que não conhece o verão de Salvador desconhece o que estou dizendo. É um negócio que, se analisado de uma maneira fria como estou fazendo, dá nojo. Todos os olhos, ouvidos e bocas estão concentrados na satisfação sexual dos outros. Tem que ter festa, tem que ter vida noturna diária e envolvente, tem que ter mulher. O turista não vem a Salvador atrás de cultura e tranqüilidade – isso ele faz indo a alguns destinos do nosso Litoral Norte -, vem sim atrás de putaria, com todas as letras que o diabo gosta.
É estranho porque parece que essa é uma opinião xenófoba, e eu odeio xenofobismo. Não, é uma opinião calcada na realidade. Nossa cidade (incluo até outros destinos da Bahia, como Porto Seguro e região) está virando um puteiro no verão. Um puteiro legitimado e apregoado por boa parte da sociedade jovem local, sedenta por coxas e vaginas. Puteiro é uma coisa ruim? De forma alguma, mas o que estamos vivendo é uma exarcebação da significação do termo e uma enraização da putaria pura e simples.
A esperança mora na mente daqueles que pensam a cultura local. Elogiei aqui e continuo elogiando, mas falta agora tomar as rédeas também do verão, dominado pelo hedonismo puro, barato e turístico.
É, estou meio azedo esses dias. Lembro-me agora de uma frase do grande Cláudio Assis: “faço porque dói”.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
É verão, sei lá...
“... dá uma vontade louca de se dar...”. Calma, isso é apenas o trecho de uma pérola do axé music que retrata perfeitamente o atual momento da cidade. Aliás, eu poderia escrever esse texto sobre o verão soteropolitano e replicá-lo nos próximos anos. Mais uma vez calma: temos salvação.
Os tambores já começaram a se aquecer em meados de novembro. Para quem não sabe, a indústria do axé se apropriou de uma prática carioca, a dos ensaios. É, se lá no Rio de Janeiro as tradicionais escolas de samba fazem ensaios periódicos, os artistas da música baiana também fazem os dele. E são muitos. Como eu disse, começaram já no longínquo novembro, mas vem se arrastando e crescendo a cada dia. Se você, caro leitor, pousar hoje em Salvador, terá uma vasta opção da fauna de bandas e artistas da terra. Tem de todos os tipos.
Se eu falei bem da cultura baiana em 2008 (elegi no top 10 melhores fatos do ano), parece que no verão a situação se inverte. É complicado. Os turistas ainda veem à cidade em busca de diversão hedonista – tema esse que tratarei em outro post, isto é, falarei do turismo sexual na cidade. Não adianta ter um programa cultural mais apurado, uma peça mais elaborada ou um show de artistas desconhecidos. O povo quer o velho axé, o novo pagode e muita cerveja e mulher de graça. E é justamente isso que eles encontram.
Os ensaios, portanto, pululam pela cidade. De segunda à segunda a programação é vasta. Eu me perguntava onde é que o soteropolitano arranjava dinheiro para ir a tantas festas, já que custam cerca de 50% a mais que em outras épocas do ano. A resposta é simples: o povo local não tem dinheiro, quem tem são os turistas. Mas, mente questionadora, quem lota os shows são só turistas? Não, incauto. Não! Esses ensaios entopem de gente, mesmo com valores exorbitantes, que já é rica, que gasta dinheiro o ano todo, mas que sozinha não sustentaria essa quantidade de eventos o ano todo. E quem completa? Isso mesmo, sabidão, os turistas. Digamos que existe uma razão perfeita de 50% baianos e 50% turistas. Equação exata.
Porém, o pior de tudo (pois é, ainda tem coisa pior...) é que bandas e artistas de nenhuma expressão, nem mesmo local, surgem “do nada” e começam a lotar shows nos lugares mais inusitados. Turista vai porque não conhece nada mesmo, isto é, 50% da lotação está garantida e aí os soteropolitanos sedentos por carne nova vão também. Fechou.
A minha opinião sobre o axé music muitos já conhecem, ou se não conhece por favor clique no link indicado. Só para resumir: o estilo acabou, pois passaram-se anos e nada, eu disse, absolutamente nada mudou musicalmente nem socialmente. O pagode – outro tema que dá um belo post – reinventou-se e criou um novo esquema cultural e musical aqui em Salvador.
Se tem uma coisa positiva nisso tudo é que a indústria carnavalesca sabe ganhar dinheiro. Enquanto muitos empresários do país lutam para vender CDs, os locais criaram um mercado extremamente rico e vantajoso. Maior exemplo disso tudo é uma pesquisa que saiu no Jornal da Metrópole, veículo local ligado a uma rádio, em que 75% dos outdoors no verão são de faculdades e festas. “Sigam-me os bons?”.
segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
Diário de Viagem - Parte IV: O fim
Antes, leia a Parte I, Parte II e Parte III.
Dia 3 de janeiro acordamos quebrados e destruídos das caminhas e subidas do dia anterior. Então, porque não algo mais leve? E fomos nós para o riacho Mucugêzinho, um local aprazível, sem trilha, e perfeito para uma farofada colossal. Nos preparamos. Compramos cerveja, refrigerante, gelo, água, petiscos e pão com queijo. Armamos da melhor maneira possível, com isopor e bolsa térmica. A cerveja já saiu da pousada geladíssima.
Chegando ao Mucugêzinho, não nos surpreendemos com a quantidade de gente que também teve a mesma ideia que a gente, ou seja, a farofada estava completa. Lá também há uma queda d´água interessante, um pouco parecida com o Ribeirão do Meio - com uma formação de rochas que favorece à criação natural de uma escorregadeira. Mas essa é mais perigosa e poucos se arriscam, mas esses poucos corajosos fazem a galhofa do resto: é comum tombos e situações hilárias de quem se acha bravo o suficiente.
Estávamos todos curtinho a água, as pedras e as cervejas geladas. O ambiente muito tranquilo, que só foi quebrado quando o céu, em questão de 2 minutos, fechou-se completamente. Havíamos chegado lá há pouco mais de meia hora e era impossível acreditar que iria chover. Mas, sim, a chuva já se anunciava e, incrédulos, vimos desabar um temporal suficiente para expulsar metade do povo. Heroicos, resolvemos encarar, mas alguns minutos de pingos grossos nos fizeram cair na realidade e voltar. Pois é, a farofada tinha ido, literalmente, por água abaixo. Só nos restou correr o caminho de volta com isopor, mochilas e roupas da maneira que deu pra salvar. A cerveja, antes que se perguntem, permaneceu geladíssima.
Com nosso último programa frustrado, a solução foi beber em plena pousda e assistindo a Luciano Huck na TV. Eu sei, eu sei. Fomos viajantes ingênuos e não levamos baralho ou dominó, mas nada disso abalou nosso humor. O final e começo de ano tinha sido maravilhoso que uma chuvinha - a primeira do ano que, dizem, dá sorte - não iria atrapalhar jamais mais um encontro de amigos.
Dia 3 de janeiro acordamos quebrados e destruídos das caminhas e subidas do dia anterior. Então, porque não algo mais leve? E fomos nós para o riacho Mucugêzinho, um local aprazível, sem trilha, e perfeito para uma farofada colossal. Nos preparamos. Compramos cerveja, refrigerante, gelo, água, petiscos e pão com queijo. Armamos da melhor maneira possível, com isopor e bolsa térmica. A cerveja já saiu da pousada geladíssima.
Chegando ao Mucugêzinho, não nos surpreendemos com a quantidade de gente que também teve a mesma ideia que a gente, ou seja, a farofada estava completa. Lá também há uma queda d´água interessante, um pouco parecida com o Ribeirão do Meio - com uma formação de rochas que favorece à criação natural de uma escorregadeira. Mas essa é mais perigosa e poucos se arriscam, mas esses poucos corajosos fazem a galhofa do resto: é comum tombos e situações hilárias de quem se acha bravo o suficiente.
Estávamos todos curtinho a água, as pedras e as cervejas geladas. O ambiente muito tranquilo, que só foi quebrado quando o céu, em questão de 2 minutos, fechou-se completamente. Havíamos chegado lá há pouco mais de meia hora e era impossível acreditar que iria chover. Mas, sim, a chuva já se anunciava e, incrédulos, vimos desabar um temporal suficiente para expulsar metade do povo. Heroicos, resolvemos encarar, mas alguns minutos de pingos grossos nos fizeram cair na realidade e voltar. Pois é, a farofada tinha ido, literalmente, por água abaixo. Só nos restou correr o caminho de volta com isopor, mochilas e roupas da maneira que deu pra salvar. A cerveja, antes que se perguntem, permaneceu geladíssima.
Com nosso último programa frustrado, a solução foi beber em plena pousda e assistindo a Luciano Huck na TV. Eu sei, eu sei. Fomos viajantes ingênuos e não levamos baralho ou dominó, mas nada disso abalou nosso humor. O final e começo de ano tinha sido maravilhoso que uma chuvinha - a primeira do ano que, dizem, dá sorte - não iria atrapalhar jamais mais um encontro de amigos.
Marcadores:
2009,
chapada diamantina,
diário de viagem,
lençóis
sábado, 10 de janeiro de 2009
Diário de Viagem - Parte III: As trilhas
Antes, leia a Parte I e a Parte II.
O dia 2 de janeiro foi inteiro reservado para as trilhas e caminhadas pelos mais populares pontos turísticos da Chapada Diamantina. Ok, em muitos momentos me senti como aqueles turistas japoneses que tiram foto de tudo e permanecem atentos às informações dos guias. Mas também fiz das minhas, andando em locais mais arriscados à procura dos melhores ângulos para as fotos. Aliás, deixei a minha Olympus OM 10 velha de guerra guardadinha, pois ela é muito pesada e eu ainda não aprendi a mexer direito.
Uma boa dica para encarar bem as trilhas é não levar muito peso na mochila, já que esse último item é indispensável para carregar o que você vai precisar durante todo o dia: toalha, protetor solar (não subestime, passe sem dó), dinheiro, repelente, sandálias e uma ou outra coisa que sempre precisa. Se você acha que não vai aguentar andar tanto, ainda há uma esperança. Se eu e uma infinidade de sedentários conseguiu, você também pode. Mas, claro, prepare-se para arder no sol, cansar as pernas e suar muito.
Falando assim parece uma tortura, mas passa longe disso. Todo o esforço é recompesado com o visual que você vai encontrar. Nossa trilha começou no Poço do Diabo, uma caminhada no meio do mato e com algumas pedras, porém nada de muito complicado. O visitante vai encontrar, no começo do caminho, um riacho bem simpático, chamado Mucugêzinho, que é perfeito para montar uma farofa na acepção mais "roots" da palavra - e eu vou falar sobre isso mais adiante. Passamos direto e chegamos ao tal Poço do Diabo, uma queda d´água razoável, mas de uma água (congelante) deliciosa. O banho perto da cachoeira pode se tornar perigoso se você não for atento às pedras, fato comprovado por mim: feri o pé e a canela numa das rochas quando tentava dá pé perto da queda d´água. E relaxei. A cachoeira é perfeita para se tranquiliar e renovar todas as energias. A volta é mais trabalhosa, pois todo aquele caminho que você desceu vagarosamente sobre pedras, você terá de fazer subindo. Mas também é só o início, pois o resto é mais tranquilo.
Saindo de lá, era a vez de subir o Morro do Pai Inácio. Admito que olhando de longe dá medo, até porque lá em cima as pessoas são meras formigas à uma altura de mais de mil metros. O bom é que você terá que subir efetivamente "apenas" 160 metros. No chão é barbada, mas escalar o morro sob um sol de meio dia não é das tarefas mais agradáveis. Confesso que parei diversas vezes e, aliás, é isso que o visitante deve fazer. Vi muita gente subindo apressada para só contemplar a vista lá de cima, o que não é perfeitamente correto. Durante o caminho, se o visitante for parando, vai perceber que poderá apreciar belas vistas também: formações rochosas, plantas que desafiam a lógica e brotam das pedras, etc. Uma vez lá em cima, não há muito o que dizer. Quantas vezes na vida você terá a oportunidade de contemplar uma vastidão de montanhas, morros, vales...? E tudo isso há mil metros de altura? A sensação é de impotência perante tanta magnitude da natureza
O Morro do Pai Inácio é o centro de toda a Chapada Diamantina; basta olhar em volta, em 360º, para vislumbra-la toda. Engraçado que, diante de tamanha altura e vastidão, a vontade mais primitiva do homem assola: voar. Sério, não só eu, mas muita gente tem a sensação de querer pular diante de uma altura tão grande. E assim é no Morro do Pai Inácio, pois numa fração de segundo a vontade realmente é fechar os olhos e saltar. Claro, não se tem notícia de alguém que tenha feito isso.
A próxima parada era o almoço, ali pertinho, num posto de gasolina. A comida, aliás, é péssima, e se sugerirem isso, fuja léguas. Mas nenhuma reação intestinal aconteceu, então, deu pra curtir bem as duas próximas atrações. A Gruta Azul, como o próprio nome entrega, é a boca de uma caverna em que a água do local, quando refletida a luz, torna-se azul. Contudo, esse "fenômeno" só acontece de junho a setembro, o que não foi nosso caso, infelizmente. A água era normal, nada demais; cheguei até a duvidar do local, pois, trocando em miúdos, a única coisa que dava para ver era uma água turva. Nada mais. A graça foi se esgueirar nas pedras, com cuidado para não levar poeira ou terra para a água, e tentar tirar uma foto que revelasse a cor azul. E assim foi. A foto saiu, e depois eu fui informado que existem pelo menos mais 3 ou 4 lugares na Chapada com águas igualmente azuis. Dispenso.
Não, eu não dispenso a próxima parada: Pratinha, um lago que de tão transparente faz você duvidar que aquilo não foi feito no photoshop. A ideia é pular logo, ainda mais que existe a tiroleza, essa invenção mundana que casa perfeitamente com belezas rústicas como a Pratinha. A descida é rápida, mas sensacional. O banho, então, melhor ainda. Também há a opção de um passeio de flutuação pelo lado da caverna da Pratinha, onde dá pra ver peixes e formações rochosas interessantes. Fiquei só no banho.
Já passava das 17h quando chegamos ao último destino do dia. Estava extremamente cansado, mas pouco sabia do que me aguardava. A Gruta Lapa Doce - para os noveleiros, foi aonde algumas cenas de A Favorita foram gravadas, com Lara, Flora e Cassiano - é um lugar magnífico. Volto a pergunta do "quando na sua vida..." para indagar: quando na sua vida você terá a oportunidade entrar numa caverna? Pois eu nunca tinha ido e confesso que foi o melhor passeio de todos. O local é imenso, cheio de pedras, areia, estalagmites e uma infinidade de outros fenômenos naturais que eu jamais tinha visto em minha vida. O espetáculo mudo e inerte é fascinante. O caminho dentro da caverna é de cerca de 600 metros, sempre com a ajuda do guia e seu lampião à gás, que, em um dado momento, é desligado e nos brinda com uma experiência única na vida: a escuridão total e absoluta. Além, claro, do silêncio pertubador, em que só ouvimos os amigos e nós mesmos respirando.
O último dia ainda reservava momentos engraçados.
O dia 2 de janeiro foi inteiro reservado para as trilhas e caminhadas pelos mais populares pontos turísticos da Chapada Diamantina. Ok, em muitos momentos me senti como aqueles turistas japoneses que tiram foto de tudo e permanecem atentos às informações dos guias. Mas também fiz das minhas, andando em locais mais arriscados à procura dos melhores ângulos para as fotos. Aliás, deixei a minha Olympus OM 10 velha de guerra guardadinha, pois ela é muito pesada e eu ainda não aprendi a mexer direito.
Uma boa dica para encarar bem as trilhas é não levar muito peso na mochila, já que esse último item é indispensável para carregar o que você vai precisar durante todo o dia: toalha, protetor solar (não subestime, passe sem dó), dinheiro, repelente, sandálias e uma ou outra coisa que sempre precisa. Se você acha que não vai aguentar andar tanto, ainda há uma esperança. Se eu e uma infinidade de sedentários conseguiu, você também pode. Mas, claro, prepare-se para arder no sol, cansar as pernas e suar muito.
Falando assim parece uma tortura, mas passa longe disso. Todo o esforço é recompesado com o visual que você vai encontrar. Nossa trilha começou no Poço do Diabo, uma caminhada no meio do mato e com algumas pedras, porém nada de muito complicado. O visitante vai encontrar, no começo do caminho, um riacho bem simpático, chamado Mucugêzinho, que é perfeito para montar uma farofa na acepção mais "roots" da palavra - e eu vou falar sobre isso mais adiante. Passamos direto e chegamos ao tal Poço do Diabo, uma queda d´água razoável, mas de uma água (congelante) deliciosa. O banho perto da cachoeira pode se tornar perigoso se você não for atento às pedras, fato comprovado por mim: feri o pé e a canela numa das rochas quando tentava dá pé perto da queda d´água. E relaxei. A cachoeira é perfeita para se tranquiliar e renovar todas as energias. A volta é mais trabalhosa, pois todo aquele caminho que você desceu vagarosamente sobre pedras, você terá de fazer subindo. Mas também é só o início, pois o resto é mais tranquilo.
Saindo de lá, era a vez de subir o Morro do Pai Inácio. Admito que olhando de longe dá medo, até porque lá em cima as pessoas são meras formigas à uma altura de mais de mil metros. O bom é que você terá que subir efetivamente "apenas" 160 metros. No chão é barbada, mas escalar o morro sob um sol de meio dia não é das tarefas mais agradáveis. Confesso que parei diversas vezes e, aliás, é isso que o visitante deve fazer. Vi muita gente subindo apressada para só contemplar a vista lá de cima, o que não é perfeitamente correto. Durante o caminho, se o visitante for parando, vai perceber que poderá apreciar belas vistas também: formações rochosas, plantas que desafiam a lógica e brotam das pedras, etc. Uma vez lá em cima, não há muito o que dizer. Quantas vezes na vida você terá a oportunidade de contemplar uma vastidão de montanhas, morros, vales...? E tudo isso há mil metros de altura? A sensação é de impotência perante tanta magnitude da natureza
O Morro do Pai Inácio é o centro de toda a Chapada Diamantina; basta olhar em volta, em 360º, para vislumbra-la toda. Engraçado que, diante de tamanha altura e vastidão, a vontade mais primitiva do homem assola: voar. Sério, não só eu, mas muita gente tem a sensação de querer pular diante de uma altura tão grande. E assim é no Morro do Pai Inácio, pois numa fração de segundo a vontade realmente é fechar os olhos e saltar. Claro, não se tem notícia de alguém que tenha feito isso.
A próxima parada era o almoço, ali pertinho, num posto de gasolina. A comida, aliás, é péssima, e se sugerirem isso, fuja léguas. Mas nenhuma reação intestinal aconteceu, então, deu pra curtir bem as duas próximas atrações. A Gruta Azul, como o próprio nome entrega, é a boca de uma caverna em que a água do local, quando refletida a luz, torna-se azul. Contudo, esse "fenômeno" só acontece de junho a setembro, o que não foi nosso caso, infelizmente. A água era normal, nada demais; cheguei até a duvidar do local, pois, trocando em miúdos, a única coisa que dava para ver era uma água turva. Nada mais. A graça foi se esgueirar nas pedras, com cuidado para não levar poeira ou terra para a água, e tentar tirar uma foto que revelasse a cor azul. E assim foi. A foto saiu, e depois eu fui informado que existem pelo menos mais 3 ou 4 lugares na Chapada com águas igualmente azuis. Dispenso.
Não, eu não dispenso a próxima parada: Pratinha, um lago que de tão transparente faz você duvidar que aquilo não foi feito no photoshop. A ideia é pular logo, ainda mais que existe a tiroleza, essa invenção mundana que casa perfeitamente com belezas rústicas como a Pratinha. A descida é rápida, mas sensacional. O banho, então, melhor ainda. Também há a opção de um passeio de flutuação pelo lado da caverna da Pratinha, onde dá pra ver peixes e formações rochosas interessantes. Fiquei só no banho.
Já passava das 17h quando chegamos ao último destino do dia. Estava extremamente cansado, mas pouco sabia do que me aguardava. A Gruta Lapa Doce - para os noveleiros, foi aonde algumas cenas de A Favorita foram gravadas, com Lara, Flora e Cassiano - é um lugar magnífico. Volto a pergunta do "quando na sua vida..." para indagar: quando na sua vida você terá a oportunidade entrar numa caverna? Pois eu nunca tinha ido e confesso que foi o melhor passeio de todos. O local é imenso, cheio de pedras, areia, estalagmites e uma infinidade de outros fenômenos naturais que eu jamais tinha visto em minha vida. O espetáculo mudo e inerte é fascinante. O caminho dentro da caverna é de cerca de 600 metros, sempre com a ajuda do guia e seu lampião à gás, que, em um dado momento, é desligado e nos brinda com uma experiência única na vida: a escuridão total e absoluta. Além, claro, do silêncio pertubador, em que só ouvimos os amigos e nós mesmos respirando.
O último dia ainda reservava momentos engraçados.
Marcadores:
2009,
chapada diamantina,
diário de viagem,
lençóis,
reveillon
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
Diário de Viagem - Parte II: A cidade e o dia seguinte
Leia antes o Diário de Viagem - Parte I: o longo caminho até Lençóis
A primeira impressão que se tem ao chegar em Lençóis é de que ela é uma cidade no estilo colonial. Encravada no meio de serras e morros, ela conserva as ladeiras e pedras no chão ao melhor estilo Ouro Preto, só para ficar numa cidade bastante conhecida. As ruas são estreitas, e logo você percebe que Lençóis é muito pequena: a praça grande e o Banco do Brasil no centro e todo o resto à sua volta. Ah, a Igreja não fica no miolo, mas também não é longe. Aliás, longe mesmo só os destinos turísticos.
Se sua intenção é ficar num local mais badalado e movimentado, Lençóis é o lugar certo. Claro, não é nada comparado Porto Seguro em alta estação, mas na pequena cidade diamantina você vai encontrar gente do mundo todo. Nesse período do ano, o local estava bastante cheio, o que contrasta com a falta de infra-estrutura, um fato curioso, já que a cidade vive basicamente de turismo (mais a frente falarei sobre isso). Porém, se você quiser mais tranqüilidade e um contato ainda maior com a natureza, escolha outras cidades da região, como o Vale do Capão, destino certo de quem quer acampar e ter um período de calmaria.
Contato inicial feito, o relógio apontava para a hora do almoço. É fácil encontrar pela cidade todo tipo de opção, desde os pratos mais caros, até os botecos que servem prato-feito a R$5. Preferimos ficar no meio termo, nem tanto nem tão pouco. Aliás, você vai descobrir, os bons locais para fazer refeição são compartilhados por muitos, ou seja, se o bar/restaurante é bom, então todos vão querer ir para lá. E aí já viu: lotação quase sempre esgotada. Claro, os locais lá são pequenos; tem um bar com inacreditáveis 4 mesas! Mas não se preocupe, porque é só querer que todo mundo se ajeita.
A falta de infra-estrutura que eu citei parágrafos acima é bem latente. Os estabelecimentos parecem que não são preparados para receber muita gente, o que é bastante contraditório para um lugar que é destino de milhares de turistas por ano. Ainda tem um certo ranço de inferioridade - dito pelo dono de um dos restaurantes mais procurados da cidade que, por um acaso, é o novo secretário de cultura de Lençóis - que não condiz com o potencial turístico do lugar. Outro ponto de falha é o mercado cultural central, que na verdade nem sei exatamente o nome, já que não há nenhum tipo de informação ou indicação. É um imenso galpão que congrega alguns vendedores de artesanato, mas que está entregue às moscas. Se a pessoa quiser comprar alguma lembrança, tem que procurar pelas vielas da cidade algumas lojinhas onde os preços são bem salgados. Camisas? Só há uma loja com camisas boas, o resto é de uma qualidade de dar dó.
Então o Reveillon. Para nós, foi uma incógnita tremenda, porque não havia muita informação sobre atrações e o esquema geral. Mas foi muito gratificante, pois as atrações fugiram um pouco do estereótipo baiano: uma orquestra animou todo mundo, com música de todos os tipos, de axé à "New York, New York". As barracas de bebidas e petiscos faturaram alto com a quantidade imensa de turistas e nativos que se esbaldaram até 3h, afinal, 1º de janeiro era dia de trilha.
Foi difícil acordar às 9h dia 1º de janeiro, uma vez que o café da manhã da pousada ia apenas até às 9h30. Ressaca total, suco pra dentro, café pra dentro, pão... Quase cambaleando era hora de uma trilha mais leve, rumo a um local tranquilo para passar o primeiro dia do ano. E aí fomos para Ribeirão do Meio (único local que visitamos que era efetivamente na cidade de Lençóis), um riacho muito aprazível encravado no meio do mato. O caminho para lá dura 40 minutos aproximadamente, mas é apenas uma caminhada. Dá para ir sozinho, se você não quiser pagar um guia, ou aproveitar um grupo e seguir o povo. Ribeirão do Meio é ótimo, dá para tomar um banho gostoso e gelado e ainda tomar cerveja e comer churrasquinho, fruto de alguns ambulantes que ali comercializam os produtos. Porém, o melhor de tudo é a escorregadeira natural que o rio forma com as pedras do local. É só subir, se escorando nas pedras, e se jogar lá de cima sem medo de ser feliz. A sensação é incrível.
O dia se estendeu. É difícil sair de lá quando se está de ressaca. A dica é ir com tempo disponível, pois o lugar é convidativo para um dia estendido. Se você for mais guerreiro(a), pode levar mantimentos e bebidas, mas, como falei antes, tem ambulantes por lá.
A primeira impressão que se tem ao chegar em Lençóis é de que ela é uma cidade no estilo colonial. Encravada no meio de serras e morros, ela conserva as ladeiras e pedras no chão ao melhor estilo Ouro Preto, só para ficar numa cidade bastante conhecida. As ruas são estreitas, e logo você percebe que Lençóis é muito pequena: a praça grande e o Banco do Brasil no centro e todo o resto à sua volta. Ah, a Igreja não fica no miolo, mas também não é longe. Aliás, longe mesmo só os destinos turísticos.
Se sua intenção é ficar num local mais badalado e movimentado, Lençóis é o lugar certo. Claro, não é nada comparado Porto Seguro em alta estação, mas na pequena cidade diamantina você vai encontrar gente do mundo todo. Nesse período do ano, o local estava bastante cheio, o que contrasta com a falta de infra-estrutura, um fato curioso, já que a cidade vive basicamente de turismo (mais a frente falarei sobre isso). Porém, se você quiser mais tranqüilidade e um contato ainda maior com a natureza, escolha outras cidades da região, como o Vale do Capão, destino certo de quem quer acampar e ter um período de calmaria.
Contato inicial feito, o relógio apontava para a hora do almoço. É fácil encontrar pela cidade todo tipo de opção, desde os pratos mais caros, até os botecos que servem prato-feito a R$5. Preferimos ficar no meio termo, nem tanto nem tão pouco. Aliás, você vai descobrir, os bons locais para fazer refeição são compartilhados por muitos, ou seja, se o bar/restaurante é bom, então todos vão querer ir para lá. E aí já viu: lotação quase sempre esgotada. Claro, os locais lá são pequenos; tem um bar com inacreditáveis 4 mesas! Mas não se preocupe, porque é só querer que todo mundo se ajeita.
A falta de infra-estrutura que eu citei parágrafos acima é bem latente. Os estabelecimentos parecem que não são preparados para receber muita gente, o que é bastante contraditório para um lugar que é destino de milhares de turistas por ano. Ainda tem um certo ranço de inferioridade - dito pelo dono de um dos restaurantes mais procurados da cidade que, por um acaso, é o novo secretário de cultura de Lençóis - que não condiz com o potencial turístico do lugar. Outro ponto de falha é o mercado cultural central, que na verdade nem sei exatamente o nome, já que não há nenhum tipo de informação ou indicação. É um imenso galpão que congrega alguns vendedores de artesanato, mas que está entregue às moscas. Se a pessoa quiser comprar alguma lembrança, tem que procurar pelas vielas da cidade algumas lojinhas onde os preços são bem salgados. Camisas? Só há uma loja com camisas boas, o resto é de uma qualidade de dar dó.
Então o Reveillon. Para nós, foi uma incógnita tremenda, porque não havia muita informação sobre atrações e o esquema geral. Mas foi muito gratificante, pois as atrações fugiram um pouco do estereótipo baiano: uma orquestra animou todo mundo, com música de todos os tipos, de axé à "New York, New York". As barracas de bebidas e petiscos faturaram alto com a quantidade imensa de turistas e nativos que se esbaldaram até 3h, afinal, 1º de janeiro era dia de trilha.
Foi difícil acordar às 9h dia 1º de janeiro, uma vez que o café da manhã da pousada ia apenas até às 9h30. Ressaca total, suco pra dentro, café pra dentro, pão... Quase cambaleando era hora de uma trilha mais leve, rumo a um local tranquilo para passar o primeiro dia do ano. E aí fomos para Ribeirão do Meio (único local que visitamos que era efetivamente na cidade de Lençóis), um riacho muito aprazível encravado no meio do mato. O caminho para lá dura 40 minutos aproximadamente, mas é apenas uma caminhada. Dá para ir sozinho, se você não quiser pagar um guia, ou aproveitar um grupo e seguir o povo. Ribeirão do Meio é ótimo, dá para tomar um banho gostoso e gelado e ainda tomar cerveja e comer churrasquinho, fruto de alguns ambulantes que ali comercializam os produtos. Porém, o melhor de tudo é a escorregadeira natural que o rio forma com as pedras do local. É só subir, se escorando nas pedras, e se jogar lá de cima sem medo de ser feliz. A sensação é incrível.
O dia se estendeu. É difícil sair de lá quando se está de ressaca. A dica é ir com tempo disponível, pois o lugar é convidativo para um dia estendido. Se você for mais guerreiro(a), pode levar mantimentos e bebidas, mas, como falei antes, tem ambulantes por lá.
Marcadores:
2009,
diário de viagem,
lençóis,
reveillon
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
Diário de Viagem - Parte I: o longo caminho até Lençóis
O relógio batia 5h25 do dia 31 de dezembro de 2008 quando entramos definitivamente na estrada. O sono, no momento, havia ficado para trás, pouco nos lembrando que havíamos dormido nada mais do que 3 horas. Mas no momento isso não importava. Deixemos que o cansaço bata depois de um dia exaustivo de trabalho, e não no começo de uma viagem de diversão.
Com Salvador ficando para trás, restava-nos muito papo e muita música, numa trilha sonora feita especialmente para a viagem de 5 horas de carro. Trocando em miúdos, dá cerca de 408km entre Salvador e Lençóis, o destino tão esperado. Chapada Diamantina, mais precisamente, com seu conjunto de belezas naturais inigualáveis e uma capacidade incrível de encantamento. Tudo estava lá nos esperando: trilhas pelo mato, subidas de morro, incursões em cavernas, etc. Mas antes tinha a estrada.
O primeiro trecho é incrivelmente ruim, e se você for para a região diamantina a partir de Salvador, recomendo cuidado na BR-324: muitos buracos e uma infinidade de caminhões a serem ultrapassados. Fora que demos de cara com um acidente grande, em que uma carreta carregada de pneus tombou na pista e pegou fogo, sabe-se lá como. Pista enterditada, tivemos que fazer o contorno dentro de uma cidade ou vilarejo. Aliás, nós e mais a estrada toda. Já pode-se imaginar o engarrafamento. Mas não, nada que atrapalhe. Essa é a vantagem de sair bem cedo.
Quando o carro toma o rumo do oeste, tudo mais tranqüilo. A pista melhora e os caminhões diminuem, deixando a viagem um pouco mais fluida. Para qualquer um, menos para o nosso carro. Numa trapaça do destino – alguns atribuíram ao meu “bocão”, sempre pronto a fazer piadas com celular fora de área, carro quebrado e esqueletos – o carro não mais desenvolvia. O pé fundo no acelerador e nada. Nada do carro acelerar. Celular? Fora de área. E o carro indo cada vez mais devagar, até chegar a uma média de 50km/h, algo inimaginável numa estrada. Mas assim tivemos que ir até a próxima cidade, Itaberaba. O caminho, de cerca de 40 minutos, foi incrivelmente tenso, com todos olhando a todo momento o celular, os ponteiros do relógio e a aceleração do carro. Todos devagar.
Itaberaba é uma cidade pacata, como a maioria dos interiores desse país, mas tem uma característica intrigante: buracos na pista. Não, sua cidade não tem mais buracos na rua que Itaberaba; isso é impossível. Chegou ao ponto em que era melhor escolher qual buraco cair do que tentar desviar. Na oficina, o mecânico não nos tranqüilizou muito, mas o que fazer àquela altura? Dali para Lençóis seriam aproximadamente 2 horas de tensão. Eu, obviamente, fui convidado a ficar calado o resto da viagem.
Graças a todas as rezas possíveis e imagináveis, nada de anormal aconteceu no restante do tempo. Foram 2 horas tranqüilas; apenas o carro engasgou pouca vezes, só para dar emoção. E Lençóis era logo ali.
Com Salvador ficando para trás, restava-nos muito papo e muita música, numa trilha sonora feita especialmente para a viagem de 5 horas de carro. Trocando em miúdos, dá cerca de 408km entre Salvador e Lençóis, o destino tão esperado. Chapada Diamantina, mais precisamente, com seu conjunto de belezas naturais inigualáveis e uma capacidade incrível de encantamento. Tudo estava lá nos esperando: trilhas pelo mato, subidas de morro, incursões em cavernas, etc. Mas antes tinha a estrada.
O primeiro trecho é incrivelmente ruim, e se você for para a região diamantina a partir de Salvador, recomendo cuidado na BR-324: muitos buracos e uma infinidade de caminhões a serem ultrapassados. Fora que demos de cara com um acidente grande, em que uma carreta carregada de pneus tombou na pista e pegou fogo, sabe-se lá como. Pista enterditada, tivemos que fazer o contorno dentro de uma cidade ou vilarejo. Aliás, nós e mais a estrada toda. Já pode-se imaginar o engarrafamento. Mas não, nada que atrapalhe. Essa é a vantagem de sair bem cedo.
Quando o carro toma o rumo do oeste, tudo mais tranqüilo. A pista melhora e os caminhões diminuem, deixando a viagem um pouco mais fluida. Para qualquer um, menos para o nosso carro. Numa trapaça do destino – alguns atribuíram ao meu “bocão”, sempre pronto a fazer piadas com celular fora de área, carro quebrado e esqueletos – o carro não mais desenvolvia. O pé fundo no acelerador e nada. Nada do carro acelerar. Celular? Fora de área. E o carro indo cada vez mais devagar, até chegar a uma média de 50km/h, algo inimaginável numa estrada. Mas assim tivemos que ir até a próxima cidade, Itaberaba. O caminho, de cerca de 40 minutos, foi incrivelmente tenso, com todos olhando a todo momento o celular, os ponteiros do relógio e a aceleração do carro. Todos devagar.
Itaberaba é uma cidade pacata, como a maioria dos interiores desse país, mas tem uma característica intrigante: buracos na pista. Não, sua cidade não tem mais buracos na rua que Itaberaba; isso é impossível. Chegou ao ponto em que era melhor escolher qual buraco cair do que tentar desviar. Na oficina, o mecânico não nos tranqüilizou muito, mas o que fazer àquela altura? Dali para Lençóis seriam aproximadamente 2 horas de tensão. Eu, obviamente, fui convidado a ficar calado o resto da viagem.
Graças a todas as rezas possíveis e imagináveis, nada de anormal aconteceu no restante do tempo. Foram 2 horas tranqüilas; apenas o carro engasgou pouca vezes, só para dar emoção. E Lençóis era logo ali.
Marcadores:
2009,
diário de viagem,
lençóis,
reveillon
Assinar:
Postagens (Atom)