quinta-feira, 29 de maio de 2008

Top 10 - As piores rimas da música baiana

Primeiramente um esclarecimento. Nossa música é pródiga em rimas bizarras e de mau gosto. Se formos analisar a fundo, a maioria absoluta das músicas de axé e pagode estariam aqui na lista. Portanto, para facilitar, fiz um recorte e exclui os pagodões e axézões, a exceção de alguns que imploraram para estar na lista; foi mais forte que eu. E, claro, sei que muita coisa ficou de fora. Estou até pensando em fazer um top exclusivo das piores músicas de axé.
A polêmica é serventia da casa.

As 10 piores rimas da música baiana

1 - Artista Desconhecido: "Chupe meu braço"

A pérola: “Você gosta de mim? Eu acho... / Você gosta de mim? Eu acho... Então prove ai, meu bem, chupe meu braço”.

Essa rima faz parte dos primórdios do pagode baiano, esse que nos brinda com rimas de duplo sentido toscas. A música é tão roots que nem consegui encontrar a banda ou autor da pérola, mas fez bastante sucesso aqui na cidade. Essa rima é totalmente non-sense. Fico me perguntando se o cara fez pensando realmente no duplo sentido ou só para rimar mesmo.
Veja aqui uma interpretação impagável do “Los Catedrásticos”, num espetáculo (me foge na memória o nome) justamente sobre as letras da música baiana. É antigo e vale a pena ver.

2 - Banda Mel – Prefixo de Verão
A pérola: “ae ae ae ê ê ê Ê ê ô ô...”
Essa é um dos hinos do carnaval de Salvador. O cara precisou de nada mais nada menos do que 3 vogais para criar essa belezura. Esse refrão representa toda musicalidade vogalística da música baiana, ou seja, axé.

3 - Babado Novo - Insolação do coração
A pérola: “Vai vai vai, suba aqui na minha moto / Vem vem vem, aqui não tem terremoto”.
Quem canta é Babado Novo, mas o compositor é o glorioso Carlinhos Brown. Sim, as boas músicas ele manda pra Marisa Monte e as merdas ele deixa por aqui mesmo. Rimar moto com terremoto é digno de menino de 10 anos.

4 - Raul Seixas - Tu és o MDC da minha vida
A pérola: “Entrou num bode / Quebrou minha vitrola / E minha coleção / De Pink Floyd...”
Porra! Raul é rei, mas teve lá sua fase brega e cometeu um erro gravíssimo ao tentar rimar alguma coisa com “Pink Floyd”. E escolheu “bode”. Aliás, essa letra ainda tem outras pérolas. Vale conferir.

5 - Pitty - Teto de vidro / O lobo
A pérola: “quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra”.
A pérola: “o homem é o lobo do homem”.
Agrupei essas duas pérolas de Pitty por um bom motivo: as frases não são dela. “Quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra” é um bordão já tão utilizado, que só denota a falta de criatividade da garota. E “o homem é o lobo do homem” é uma frase do filósofo Thomas Hobbes, que ela pegou “emprestado” para colocar numa letra horrenda. Bad, Pity, bad!

6 - Sarajane – A roda
A pérola: “Vamos abrir a roda, enlarguecer... Abre a rodinha, por favor”
A música mais “la ele” de todos os tempos. Vamos abrir a roda o caralho, Sara. Ainda tem o mantra “abre a rodinha, meu amor / abre a rodinha, por favor” repetida à exaustão. Ninguém agüenta.

7 - Vanessa da Matta – Ai, ai, ai...
A pérola: “Ai ai ai ai ai...”
Tá ai uma discípula fiel da música baiana e seus refrões de vogal. A letra dessa música já não é grande coisa, esse refrão então é broxante. E dizem que ela é boa e faz uma coisa dessas.

8 - Adelmário Coelho – 500 anos de Brasil
A pérola: “Foi lá em Porto Seguro / Em 22 de Abril / Pedro Álvares Cabral / O monte Pascoal descobriu / A terra de Santa Cruz / Festejando o ano 2000”
Adelmário tem lá seu respeito, mas quando se mete a inventar demais na letra é que o bixo pega. Essa ai eu acho que ele pediu pra o filho dele de 10 anos compor na época da comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Pedro Álvares Cabral se remói no túmulo nesse momento.

9 - Edson Gomes – Malandrinha
A pérola: “Malandra minha,estou na tua / estais na minha malandrinha / Malandra minha”.
Essa é um clássico do reggae baiano, mas se olharmos a fundo é uma das piores letras de Edson Gomes. O jogo de palavras do refrão é sofrível: “malandra minha, estou na tua...”. Ficou devendo.

10 - Pitty - Ignorin´ U / I wannabe
A pérola: “I am not waiting for / A prince on a white horse just to save me / I know I have to do by myself / And this time I will be free”.
A pérola: “I wanna be away from here / Quando essa bomba explodir”.
Não pude evitar colocar no top 10 mais essas duas rimas irrisórias da nossa amiga Pitty. Essas estão juntas porque é quando um artista que mal sabe escrever bem em português se mete a escrever em inglês. E essa “I wannabe” é pior ainda, pois mistura com português e ninguém entende porra nenhuma. “Ignorin´ U” ela tenta, tenta... Mas só consegue parecer uma garotinha de 12 anos aprendendo inglês.


terça-feira, 27 de maio de 2008

Mera coincidência?

Publiquei esse mesmo post há cerca de dois meses. Como estava no começo, pouca gente ou ninguém leu, mas é interessante. Eis:

Fiquei intrigado ao ler algo sobre Salvador num livro. Vou reproduzir abaixo o trecho e você me dirá o que acha. O relato é real de uma viajante inglesa e data de 1808, ou seja, duzentos anos atrás. Qualquer semelhança com nossa atual Salvador é mera coincidência:

“A rua pela qual entramos através do portão do arsenal é, sem dúvida nenhuma, o lugar mais sujo em que eu jamais estive. É extremamente estreita e, apesar disso, todos os artífices trazem seus bancos e ferramentas para a rua. Nos espaços que deixam livres, ao longo da parede, estão vendedores de frutas, salsichas, chouriços, peixe frito, azeite e doces, negros trançando chapéus ou tapetes, cadeiras, cães, porcos, aves domésticas, sem separação nem distinção. Como a sarjeta corre no meio da rua, tudo alise atira das diferentes lojas, bem como das janelas”.

*Retirado do livro "1808", de Laurentino Gomes. Página 114-115.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Abafabanca

Nem todos na casa de Dona Beth gostavam de abafabanca. Alguns mais sofisticados preferiam sorvete ou até mesmo picolé capelinha. Outros mais altruístas tomavam só para fazer gosto à matriarca da família. Mas, no frigi dos ovos, todos acabavam comendo a Abafabanca de Dona Beth.

E não pense que eram poucos sabores, porque a senhora fazia de todos os tipos; inventava mesmo. O primeiro e mais clássico, porém, era o de manga. Dizem até que Maneco, um sobrinho perdido que morava lá pelas bandas de Lauro de Freitas, vinha à cidade baixa só para tomar o de manga, mas acabava sempre tomando o de cajá e o de caju. A receita Dona Beth não entregava a ninguém, mesmo sendo a mais óbvia de todas: suco da fruta direto no congelador. Sem nada a acrescentar.

Até a vizinhança não perdia as abafabancas da família. Era um tal de entra e sai da casa que Juninho, o filho do meio de Dona Beth e Seu Edevair, resolveu lucrar com isso. No início a mãe foi contra, pensando ela que aquele quitute era apenas um passatempo para o seu monótono dia-a-dia. Juninho era esperto e isso ninguém poderia negar.

Ali na Penha a concorrência era indireta. Alguns vizinhos vendiam geladinho e picolé, mas ninguém comercializava abafabancas. Os sabores da vizinhança eram os mesmos, somente Maneco da mercearia que inovou certa vez: trouxe de um mercado de São Paulo uma quantidade grande de anilina azul. A garotada adorava.

Juninho, que não é besta nem nada, passou a vender ele mesmo os abafabancas. No começo eram só 5 sabores: manga, cajá, caju, limão e goiaba. Fácil para Dona Beth. O aviso na portinhola de casa era claro: “Melhor abafabanca do Brasil. R$0,50”. Barato demais, já que o menino teve que investir ainda na compra dos palitos. Mas eu já disse que Juninho é esperto? O garoto pegava os palitinhos de alguns vendedores de picolé capelinha e os cortava ao meio, dando uma aparência nova ao palito e aproveitando o máximo possível dele. Ninguém percebia.

A clientela, antes somente os vizinhos xeretas, agora era mais vasta ainda. Gente que não era muito chegada a Dona Beth agora batia a sua porta religiosamente todos os dias para comprar abafabancas de todos os sabores, tanto é que eles tiveram que aumentar a quantidade rapidamente. Até de baunilha tinha. E chocolate, feito com nescau e leite. E também de sabores mais exóticos: romã, graviola, pêssego com creme de leite, creme holandês (?), papaia e muitos outros. O que Seu Edevair mais gostava era o de abacaxi com hortelã, uma invenção de Juninho depois de ter visto num filme um drique estranho feito de abacaxi e hortelã. Sucesso absoluto.

Tanto foi que Seu Edevair pensou alto. Resolveu fazer um puxadinho ali mesmo no terreno da casa e construir a primeira casa de abafabanca do bairro, ou até mesmo da cidade.

Alguns meses depois, o concreto já estava alto e os pedidos não paravam de crescer. Juninho, astuto como sempre, contabilizava tudo no seu caderninho preto desbotado. O lucro deu para pagar a pequena construção e ainda adquirir um freezer bonito, daqueles que ficam “deitados”.

A estréia do empreendimento foi um burburinho só. Todos na rua e no bairro comentavam, sendo que na noite esperada até a rua foi fechada. Zeca e Juca providenciaram o churrasco, que tinha como sobremesa a estrela da noite: a abafabanca de Dona Beth. À essa altura os sabores eram inúmeros e somavam mais de 70! Incrível como a patriarca da família conseguia fazer tudo isso. Obviamente que ela contava agora com a ajuda de filhos e sobrinhos, mas a receita principal vinha da cabeça engenhosa da senhora. Seu Edevair ficava só de butuca.

Anos depois sucesso era uma palavra “pequena” para expressar as vendas das abafabancas de Dona Beth. Veio TV, artista e gente de todos os bairros para tomar abafabancas de sabores inimagináveis. Dizem até que a Sorveteria da Ribeira perdeu espaço para Dona Beth. Mas ela não deixava cair a peteca. À essa altura Juninho, um agora homem muito esperto, tinha aberto filiais por toda a cidade e a “Casa de Dona Beth”, como era chamada a rede de lojas, não só vendia abafabanca, mas sim rendeu-se ao mundo dos sorvetes e todo tipo de quitute doce: torta, brigadeiro, casadinho, quindim, etc.

Ao contrário do seu filho sagaz, Dona Beth era pés-no-chão e cuidava ainda de perto da produção dos abafabancas, que agora eram exportados e industrializados. Alguns dizem até que não perde o gosto original, mas a patriarca discorda veementemente.

Numa bela tarde de sexta-feira Juninho veio com a notícia de que eles abririam a primeira loja da rede em um shopping, ou seja, “lucro garantido e fácil, mãe!”, nas palavras do próprio Juninho. Ele olhou seu relógio Tag Heuer e viu que era hora de comemorar. Abriu a geladeira duplex e pegou um champanhe Chandon, dentre outras tantas que repousavam na geladeira duplex na casa da família em Alphaville. Dona Beth recusou e subiu para o quarto. Mais tarde, quando todos já dormiam, ela desceu para a cozinha e abriu o congelador. Estava lá, a famosa abafabanca de manga de Dona Beth feita diretamente na cuba de gelo, na mais tradicional forma que deu origem a tudo aquilo.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

A verdadeira história da descoberta da América

Um índio baiano descansava em paz numa bela rede a beira-mar. É quando avista de longe um ser diferente, cheio de roupa e falando com um sotaque estranho. Era Cristóvão Colombo.

- Olá seu índio, tudo bem?
- Rapaz... Bem bem num tá não, mas vamo indo né!?
- Ah, tá... Somos de Portugal, um país beeeem distante desse lugar aqui. Viemos a procura de riqueza e um bom local pra descansar. Será que vocês...
- É o seguinte, gringo: você chegou numa hora errada. Tamo de recesso porque é carnaval, é fevereiro. Então não vai ser possível fazer porra nenhuma.
- Mas é que nossa intenção não é prejudicar nada, senhor...
- Eu sei, eu sei... É sempre assim. Um tal de Vasco da Gama veio aqui e falou a mesma coisa. E aquele Fernão Dias também e...
- Eles estiveram aqui? Ó Deus, não somos os primeiros!
- Nem se preocupe por que já se picaram.
- Ah, bom... Creio que sua terra é bastante valiosa e seria muito útil se nós nos instalarmos aqui para criar uma belíssima civilização. Aliás, como vocês chamam esse lugar?
- Bahia
- Que belo nome! E porque?
- Porra mermão, tu tá querendo saber demais... Eu sei lá! Quando se viu já era esse nome.
-Entendo... Mas, e seu governante, quem manda aqui?
- Tem um cara ali em cima ó... Ali em cima daquele morro. Ele dá as ordens, mas nem todo mundo cumpre não.
- Quem?
- O de cabeça branca. É de uma família bem rica. Vive pela rua dizendo que ama a Bahia e que faz e acontece.
- Bem... Eu preciso falar com ele.
- Ó... Já vou logo lhe dando a idéia: se quer derrubar o sacana pode entrar na fila. Aquele grupo ali ó, na beira do cais, tá tramando há anos. O nome deles é Pêtê, de uma tribo forasteira.
- E eles querem acabar com a hegemonia do seu chefe?
- É, mas num sei não... Eu mermo vou ficar por aqui de butuca, só na manha... Vamo ver o que acontece.
- Você num vai ajudá-los?
- Rapaz... Eu mermo não. Se tu quiser esperar comigo vai rolar um caruru daqui a pouco aqui no mercado em frente ao cais.
- Caruru?
- É... É uma comida típica. Tu sabe a quiabada? Pronto. É a evolução dessa porra.
- Interessante, mas... Eu estou interessado mesmo nessa terra. Eu queria...
- Véi... Puxa ai o banco, se ajeita que o caruru já vem. Enquanto isso, vamo tomar uma cerveja e curtir um som. Sabe tocar algum instrumento?
- Mas é claro! Oboé, Tuba...
- Porra, man... Toma esse bongô ai e vamo nessa... Ô Maluquinho, misera... Puxa o som aê...

Alguns anos depois, Cristóvão Colombo conseguiu enfim chegar à América, seguindo uma corrente marítima que só os índios baianos conheciam. E essa é a verdadeira história da descoberta da América.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Top 10 - Os baianos mais chatos

Porque? Muitos podem não saber, mas a cantora é baiana. Além de ser uma péssima cantora e só cantar músicas insuportáveis, resolveu há alguns anos se jogar na carreira de cantora de Natal, reproduzindo todo ano as mesmas músicas chatas de Natal em discos cada vez piores. A chatice dessa empreitada vem de berço: ela nasceu dia 25 de dezembro em Salvador. Primeiro lugar disparado.

2 - João Gilberto
Porque? Algumas pessoas podem nem se lembrar, mas ele é baiano. Ninguém na face da terra é tão chato em um show quanto ele: vive reclamando do retorno, da platéia e até dele mesmo. E canta muito baixo, mal dá pra ouvir.


3 - Dona Canô
Porque? Imagino a velhinha em sua casa em Santo Amaro, quieta, chupando laranja e vendo o Mais Você. Mas a imprensa baiana insiste em alçá-la a posto de ídolo, sem ela ser porra nenhuma. É chata mesmo sem querer.


4 - Casemiro Neto
Porque? É um péssimo jornalista. Além disso, ele ainda se mete a fazer comentários sobre assuntos que não domina e acaba falando uma asneira atrás da outra. É o Galvão Bueno baiano.


5 - Caetano Veloso
Porque? Figurinha fácil aqui das listas porque sempre se mete aonde não é chamado, dá opinião em tudo, mas quando falam dele ele se irrita.


6 - Dorival Caymmi
Porque? Dori fez grande sucesso com suas músicas há mais de 50 anos. É vivo até hoje e até hoje só lembram das mesmas músicas dele. A mesma cantoria chata de 50 anos atrás.


7 - Cumpade Washington

Porque? Só em ter participado do É o Tchan já não merece crédito, mas ele chamava atenção com aquela coisa insurpotável de: “tchaaan”, “bizúuuuu” etc etc. Só fazia isso na banda e irritava todo mundo.


8 - Gilberto Gil
Porque? Primeiramente, ninguém entende o que ele fala. Segundo, mesmo sabendo disso, ele fala demais. E terceiro, foi se meter com política. Quer coisa mais chata que isso?


9 - Daniela Mercury
Porque? Ao contrário de outras musas do axé, Daniela é tida no meio como a mais chata de todas, a mais boçal. E certa vez inventou um tal de concerto de piano em pleno carnaval. Puta troço chato da porra!


10 - ACM Neto
Porque? O coitado já nasceu pra ser político e, como se não bastasse, adotou o nome do avô e a mesma pieguice ao falar em público. Discurso raso e chato.

P.S.: ficaram de fora ainda: Durval Lellys, Jorge Portugal e Duda Mendonça. A disputa foi acirrada.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

A estranha

Beto conheceu Aninha ainda na faculdade. Os dois se davam super-bem, sentavam juntos e riam das piadas sem-graça contadas pela turma. Só eles riam. Vai ver foi por isso que os dois se aproximaram naquela festa na casa de alguém que nem eles se lembram mais. Estava uma puta chuva na cidade e ninguém conseguia sair. Teriam que dormir ali mesmo.

E dormiram, todos amontoados e bêbados depois de horas de cerveja e marijuana. Mas Beto foi esperto ao beijar Aninha, uma gatinha que todos queriam comer mas ninguém conseguia. Nem Beto.

E ai residia o problema. Não havia jeito de Beto levar a linda garota para cama. E olhe que ele tentara de tudo. Primeiro levou Aninha para um típico pôr-do-sol no Farol da Barra, com direito a passeio de mãos dadas e água de coco. Ah, claro. Tinha um baseado também, mas Beto preferiu guardar para o momento pós-foda. Deu mole. A gata não quis nada; alegou que ia ficar tarde e que seu ônibus vivia passando cheio e era melhor ela pegar logo. Maldito Cabula.
A outra tentativa foi mais arrojada. Num sábado à noite, Beto e Aninha foram ao cinema ver um filminho romântico, daqueles que as mulheres adoram e Beto odiava. Felicidade no rosto e shortinho apertado na bunda, Aninha saltitava. Beto foi além. Pegou um táxi (!!) e foram àquele restaurante bacana do Rio Vermelho. “Poxa, Beto... Esse restaurante é muito chique. Que lindo, amor!”, derretia-se toda a garotinha. No final do jantar ele tentou a cartada final, mas ela novamente não quis. Tinha que acordar cedo no outro dia para fazer trabalho da faculdade. E assim Beto foi tentando em vão e até conhecer os pais dela ele foi. Pobre Roberto.

Um dia ele se cansou. Aproveitando que Aninha disse que novamente iria acordar cedo para fazer trabalho, ele chamou Pedro para sair. A vontade de Beto era transar, transar, transar. Os dois resolveram ir no Super Vip Club, um puteiro de luxo que tinha aberto a pouco tempo na Boca do Rio. A vizinhança não era lá essas coisas, mas amigos disseram a ele que no Super Vip Club as gatas eram as melhores da cidade. E eram.

Puteiro em Salvador é tudo igual, não importa a classe nem o preço de entrada. Geralmente a casa estipula um valor baixo para entrar, mas lá dentro as bebidas são caríssimas, desde uma mísera cerveja (R$8) até uma dose de uísque 12 anos (R$38). A disposição interna é semelhante em todos os locais e os homens normalmente tentam se esconder nas sombras e sob a meia luz, embora nunca admitam isso. As dançarinas se esbaldam e tentam aumentar o tesão dos caras, que na verdade só têm bala na agulha para traçar aquelas que passeiam pelo estabelecimento oferecendo seus serviços. Elas são putas, mas são espertas e começam a negociação com o valor bem alto. Ai você vai falando aqui, cochichando ali... E abaixa para quase 50% do valor inicial.

Mas têm aqueles caras, que não é o caso de Beto e Pedro, que só entram para curtir e tirar uma lasquinha das dançarinas. Para eles existe um seleto grupo de prostitutas que habitam o entorno do puteiro, que é para pegar a rebarba de que vai ao local e sai sem pegar ninguém. A relação custo/benefício e oferta/procura é fascinante: lá fora é mais barato e mais fácil de barganhar. Além do mais, você pode barganhar tomando uma skol latão por módicos R$2,50 e comer um cachorro-quente por R$1,50, cortesia dos ambulantes que orbitam e formam quase que uma cidadezinha do interior no entorno do puteiro.

Assim era o Super Vip Club quando os dois avistaram de longe. Beto tinha uma sede de vingança e tesão que poucos poderiam explicar. Pedro era mais calmo e estava mais interessado em esperar e pegar uma puta na saída, já em fim de expediente e querendo fazer o último programa para se livrar logo e ir para casa. Ele era craque nisso.
Beto não. Queria a melhor e mais gostosa, e foi isso que ele pediu a Jeniffer, uma garçonete boazuda, que mais armava os encontros do que servia bebida. E, sim, ela era a pessoa mais indicada. Avisou que “a mais gostosa” era muito caro, mas Beto nem ligava. O encontro foi marcado ali mesmo, num quartinho arrumado que o clube possuía para situações especiais.

O tiro foi grande, algo em torno de R$200, o que nunca foi confirmado por Beto. E lá estava ele de pênis em riste quando a porta abriu para a surpresa de ambos. Era Aninha. Sim, a garotinha puritana que não transava com ele de jeito nenhum era na verdade uma garota de programa. De luxo, é verdade, mas continuava sendo puta. Beto não soube o que fazer, mas Aninha parecia não conhecê-lo, ou pelo menos fingia que não. Ele não entendia e não sabia o que fazer e a única coisa que conseguia escutar era sua cabeça de baixo. O tesão foi tão forte que os dois transaram maravilhosamente. Aninha sentiu um orgasmo que nunca sentira antes e Beto... Bem, Beto também foi à lua.

Na saída, meio constrangido, ele botou a mão no bolso e pagou o valor a Aninha. Saiu rápido e não contou nada a ninguém. Na noite seguinte, numa hora de frio e solidão, Beto saiu novamente, dessa vez sozinho, para o Super Vip Club. Encontrou novamente Aninha para mais uma uma noite de tórrido amor. Ao terminar o programa, como numa cena de filme, despediu-se dela com um beijinho no rosto. E pagou.

Essa situação se repetiu durante muito tempo. Aninha durante o dia era a mesma de sempre, rindo das piadas sem-graça contadas pela turma. Beto não insistia mais em transar com ela, pois já conhecia o caminho das pedras: ir ao puteiro e pagar pela hora de sexo. O quadro só mudou mesmo quando, alguns anos depois, Beto e Aninha resolveram se casar e comprar um puxadinho ali mesmo na Boca do Rio, perto de um buteco que sempre passava o jogo do Bahia e vizinho ao Super Vip Club.
Pedro também se deu bem. Casou-se com Jeniffer.

sábado, 17 de maio de 2008

Luto

Ontem morreu Dinha do Acarajé, mulher que revolucionou o acarajé na Bahia.
E hoje morreu Zélia Gattai, grande escritora e eterna companheira de Jorge.
Luto.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Ostracismo

Contar a história recente de Salvador é bem bacana. O ano-a-ano soteropolitano é sempre igual. Os acontecimentos, as brigas, as eleições, a cultura, o povo, o futebol, o centro, a prostituição, a alegria, o carnaval, a chuva... É tudo a mesma coisa todo ano, mas porque todo ano todos nós ficamos surpresos?
Todo ano chove. E muito. Quando digo muito é no sentido de qualidade e não quantidade. Normalmente no começo do ano é sol o dia todo, mas num dia perdido de janeiro, o tempo vira e a chuva destrói tudo, leva barracos, alaga ruas, deixa o povo sem trabalhar. E mais ou menos entre março e maio é o mesmo cenário de caos, só que alguns dias a mais. É exatamente igual todos os anos, pelo menos desde que nasci.
E todo ano tem greve dos motoristas de ônibus. Senão deles, tem paralisação pelo aumento da tarifa. O transporte, que é um caos, deixa as ruas povoadas pelo acaso. Agora mesmo teremos mais uma.
Todo ano tem uns bares da moda que bombam até dizer chega e outros tantos que fecham as portas depois de anos bombando até dizer chega. As mesmas pessoas freqüentam os mesmo locais.
Todo ano o teatro baiano se ressente de novas produções e investimentos. E assim também o rock, o cinema e a cultura toda.
Todo ano a imprensa baiana ganha mais uns retardados e inoperantes jornalistas. E o panorama da mídia local se mantém acanhada e sem prestígio.
Todo ano o carnaval é a maior festa popular do mundo que atrai os (mesmos) mais de 1 milhão de turistas ao redor do globo. É alegria, festa, axé, putaria e muita cerveja. E tem lá seus reis e rainhas, músicas do ano e o escambal. Tudo igual.
E todo ano tem um chato que reclama e outros tantos mandando ele se fuder.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Top 10 - Os baianos mais mal-vestidos

Essa é a estréia da seção “Top 10” do blog. Eu tive essa idéia enquanto navegava perdido e encontrei uma notícia sobre as 10 mais bem vestidas estrelas de hollywood. Uma parada meio tosca. Como sou mais tosco ainda, decidi criar alguns top 10 bizarros. Esse é o primeiro. A polêmica é serventia da casa.


Os 10 baianos mais mal-vestidos

1 - Claudia Leite (cantora de axé)
Porque? Imita Ivete Sangalo até na roupa. Falta originalidade.

2 – João Henrique (prefeito de Salvador)
Porque? O traje é sempre igual, mas o cabelo lambido é horrendo. Vá ajeitar isso, misera!

3 – Carlinhos Brown (cantor)
Porque? Veste um monte de coisa que não quer dizer nada.

4 – Caetano Veloso (cantor)
Porque? Acha que é menino, mas já é sessentão. Ponha-se no seu lugar, Caê.

5 - Marcelo Cerqueira (presidente do Grupo Gay da Bahia)
Porque? Gay tem de ser bem vestido e o estilo dele é muito normalzinho e sem nenhuma pompa.*

6 – Bell Marques (cantor de axé)
Porque? Aquele shortinho jeans desfiado e a bandana são as coisas mais ridículas da moda.

7 – Gilberto Gil (cantor e ministro)
Porque? Sem estilo. Não sabe se veste roupa de ministro ou de cantor. E seu cabelo a lá Predador não combina com nada.

8 – Tom Zé (cantor)
Porque? Ele é até engraçadinho com suas opiniões peculiares, mas se veste igual um mendigo, com roupa rota, camisas russas e cabelo desgrenhado.

9 – Tati Moreno (artista plástico)
Porque? Aquele tapa-olho de pirata já saiu de moda.

10 – Preta Gil, cantora (?) e atriz (?)
Porque? Quer mostrar o que acha que tem, mas não tem.**

* Sem preconceito, por favor.
**menção honrosa, pois nem baiana é, mas é filha de Gil e então é como se fosse da terra.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

O cozido

Nelson Pipoqueiro carregava no próprio nome sua profissão. Andava normalmente pelas ruas da Pituba vendendo pipoca salgada e doce, muito embora morasse longe dali. Sua mulher, Dalva, dera luz a 15 filhos seus, mas somente 10 vingaram. E que 10. Dizem até que Nelson Pipoqueiro andou pelas bandas da Boca do Rio e que lá se engraçava com Neuza, uma negra gostosa. Mas poucos acreditavam realmente que ele era capaz de pegar ela. Muito milho para seu carrinho de pipoca.

O incrível é que os 10 filhos de Nelson Pipoqueiro e Dalva eram homens. Numa jogada absurda da genética que nem Mendel explicaria, Dalva deu a luz a 14 meninos e apenas uma menina, que não durou 1 mês. Os outros quatro morreram logo ao nascer. E os 10 restantes davam muito trabalho ao casal e principalmente a Dalva, que cuidava deles diariamente. Quem lavava a varanda? Os 10. Quem lavava o banheiro (único na exígua casa)? Os 10. Quem cozinhava? Ela, com a ajuda deles.

Esse tema, aliás, era de extrema importância para a família. Como Nelson Pipoqueiro passava o dia todo fora, só almoçava mesmo 3 dias em casa. Sim, Nelson Pipoqueiro se dava ao luxo de trabalhar apenas 4 dias na semana: de terça a sexta. O resto era sagrado. E quando ele almoçava em casa tinha que ser Cozido, pelo menos uma vez na semana. Era de lei quando Nelson Pipoqueiro ia almoçar em casa: Joãozinho separava as verduras, Nelsinho as cebolas especialmente, Marquinhos secava as carnes, Maílson cuidava das bananas da terra, Sergio fazia a pimenta e Dalva entoava o pirão. Ah, o pirão! Ninguém tocava no pirão que Dalva fazia para seu marido: “Vai desandar, menino”, dizia ela quando algum dos meninos chegava perto do pirão. Numa habilidade física que só ela conhecia, o pirão tomava forma em movimentos cíclicos uniformemente variados.

Nesses dias, quando Nelson Pipoqueiro chegava em casa era uma festa. Ele ainda cheirava a manteiga derretida, mas ninguém ligava. A refeição já estava quase no ponto e o maridão dava aquela olhada pra Dalva, como quem combina uma foda para depois do cochilo da tarde. A casa tremia. Mas antes ele comia muito. Como Dalva fazia a comida sempre, ela nunca errava na quantidade. Era o certo para ela, Nelson Pipoqueiro e os 10 meninos. E olha que a panela batia o recorde de tamanho, provavelmente comprada na baixa dos sapateiros. Não sobrava nada. O cochilo, então, rolava solto. A foda posterior melhor ainda.

Porém, muita coisa mudou quando Dalva faleceu. É verdade que isso aconteceu quando ambos já beiravam os 70 e todos os 10 filhos do casal já estavam muito bem criados. Só Celsinho que ainda continuava morando com os pais, mas nada que um filho com a vizinha não fizesse mudar de lar. E então Nelson Pipoqueiro se viu sozinho no mundo. Sua companheira de mais de 40 anos se fora e sua vontade era ir junto, digamos a verdade. Mas não. Ele ainda era muito forte e comeria muito cozido.

Mas quem iria fazer o famoso cozido de Dona Dalva? Todos os filhos se habilitaram e Nelson Pipoqueiro, então, resolveu que iria, a partir dali, almoçar cada dia na casa de um filho diferente. Não importasse o que tivesse, ele não iria comer na solidão do seu lar.

E lá se foi Nelson Pipoqueiro almoçar na casa dos 10 filhos, sempre nos dias de folga: sábado, domingo e segunda. Era um vai-e-vem entre Pernambués, Baixa do Tubo, Barroquinha, Pero Vaz, Dique Pequeno, Caixa D´água, Pau da Lima, Saboeiro, Luis Anselmo e Valéria. Os primeiros meses foram ótimos, pois todas as noras, no intuito de agradar o velhinho, faziam cozidos maravilhosos. E dos mais variados tipos: com toucinho, sem toucinho, com chuchu, com jiló, com pirão de grão de bico, sem grão de bico, com frango, sem frango... Era uma festa gastronômica.

O problema era que ele começou a enjoar, porque comia aquilo 3 vezes na semana e seu tour pela casa dos filhos já durava 6 meses. Ou seja, 72 cozidos em um tempo recorde. Só ele mesmo. Certa vez quando chegou na casa de Nelsinho e constatou que, mais uma vez, havia cozido, o velho desabafou: “Porra! Eu só como cozido há 6 meses! Também gosto de ensopado de carne, muqueca de carne, quiabada... Um monte de coisa”. As noras tremeram.

Foi quando, num grande almoço para comemorar os 32 anos de Marquinhos, os irmãos resolveram fazer a tal quiabada. A família inteira esperou ansiosamente a chegada do pai, mas Nelson Pipoqueiro nunca chegou. A notícia veio algumas horas depois: o pai dos 10 rapazes sofrera um infarto a caminho da casa do filho, em Pernambués. Da tristeza que tomava conta do local, que ainda receberia muitas pessoas amigas e outros familiares de Nelson Pipoqueiro, só restou um destino para a panela de quiabada: jogar mais verdura, carne e frango e separar o caldo do pirão. O cozido para a família toda.

sábado, 10 de maio de 2008

Rapidinhas (e das boas)

Lula na Bahia - Dizem que veio revitalizar o cacau. Mas não vi em nenhum noticiário a imagem de Zé Inocêncio, o peão das fazendas de Cacau de "Renascer". Sem ele vai ficar difícil.

Bahia e Vitória - Depois da idiotice do créu, menta e uva, os dois novamente não se encontrarão numa competição nacional ano que vem. O vitória desce e o Bahia idem.

Pitty - Momento humor negro: Pitty perdeu bebê aos três meses de gestação. O pai era o baterista do NX Zero. Também pudera, se o menino nascesse ia ser uma aberração de tanto chorar. Filho emo é foda, mas pai emo é pior ainda!

Chuva - Alguém entende como nós soteropolitanos ainda nos surpreendemos com as fortes chuvas? Os alagamentos acontecem desde sempre e mais de uma vez por ano, mas toda vez é a mesma baboseira na TV e nas rodinhas de buteco. Porra, choveu é feriado!

Adolescentes em fuga - "A tradicional novena ao Mês de Maria para 12 católicas, a maioria delas idosas, foi marcada por momentos de tensão, quando dois adolescentes que fugiam da polícia invadiram ontem à noite a Igreja de São João Batista, em Caminho de Areia". Depois dizem que os jovens não procuram ajuda divina...

Novidades do blog - Semana que vem vou inaugurar a sessão "top 10" do blog. A primeira lista é "Os 10 baianos mais mal vestidos", inspirada naquelas listas das revistas de fofoca dos EUA. Tem também "As 10 piores rimas da música baiana" e "Os 10 baianos mais chatos". A cada semana uma nova (na medida do possível). Você também pode colaborar.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Árvore genealógica II

Dando seqüência a nossa árvore genealógica, vamos ao galho masculino.
Dorival Caymi – Pregador do cancioneiro popular. Cantou aos quatro ventos a vida, a malemolência e as maravilhas de ser pescador. E baiano também. DNA – Responsável pela nossa preguiça e só. Mais do que suficiente.


ACM – Político mais “importante” da história da Bahia. Levou seu coronelismo às últimas conseqüências e não poupou esforços para tal. DNA: Responsável pela nossa desonestidade e poder de enganar multidões.


Jorge Amado – Escritor de mão cheia e talento inigualável. Escreveu para o mundo sobre becos, vielas, lugarejos e os mais decrépitos seres da Bahia. Soube como poucos também traduzir o “ser baiano”. DNA: Responsável pela nossa criatividade.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Árvore genealógica I

Engraçado como somos presos a certos estereótipos. E também a certas pessoas que, nesse bolo doido, viram totens de uma realidade inexistente. É de se fazer piada, inclusive. Então separei aqui o que seria a gênese do baiano, dividindo nossa existência em 2 partes (homens e mulheres). Três de cada lado. Hoje a nossa parte feminina. Vamos a eleas:

Irmã Dulce
– Freira de uma candura inigualável. Ajudava os pobres, rezava para os pobres, passava a mão na cabeça de todos e era amiga dos políticos dos mais variados partidos. Uma santa, diriam uns.
DNA:
é responsável pelo nosso lado generoso, mas também pela nossa desfaçatez em face à discaração dos políticos.


Dona Canô
– Mãe de Caetano e Maria Betânia, ela... É... E só! Não é mais nada! Mesmo assim é alçada ao posto de ídolo da Bahia. Vá entender. Essa senhora de 100 anos nada fez de relevante para nossa sociedade e mesmo assim é uma celebridade (até em jornais do Brasil saíram matérias sobre seus 100 anos).
DNA: é responsável pela nossa ignorância e capacidade de enganar a todos. Malandra.

Mãe Menininha do Gantois
– A única negra do balaio. Mãe de santo em Salvador, é aclamada até hoje pela sua sabedoria e religiosidade.
DNA: é responsável pelo nosso sincretismo religioso, mesmo que isso seja usada como máscara para qualquer coisa.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Há mais de 30 anos

Deco acordou com um sentimento estranho naquele sábado de manhã. Tava afim de uma cerveja. Olhou o relógio que marcava 7h37, um horário um tanto quanto estranho pra uma gelosa. Pigarreou, puxou o cigarro e foi à janela. “Sábado de merda”, pensou o nobre Deco. Antes de tomar o café lembrou que deveria cortar o cabelo, afinal já fazia quase dois meses que sua juba não via uma tesoura.

Lá pelas 8h30 vestiu a roupa e decidiu dá uma passada na velha barbearia de Seu Renê, um velho já meio sem coordenação motora que tinha passado o ofício para o filho, Renezinho. Ele sim cortava o cabelo como ninguém, mesmo com apenas 30 e poucos anos. Se bem que no caso de Deco era só uma máquina 2 e umas ajeitadas e tava tudo certo.

- Bom dia aê Seu Renê, como é que vai essa força?

- Tudo beleza, Deco. Tem tempo hein!?

- Rapaz... Tempo cuma porra. O cabelo chega ta dando volta. Um mullet da zorra!

- “Mu” o que?

- Essa porrinha aqui atrás, ó... Fica dando volta esse cabelo desgovernado. Mas tô aqui pra dá um jeito nisso.

- Beleza, decão. Senta ai... Tô dando aquela velha garibada antes de abrir, é só esperar um pouco.

- Hm... Cadê as playboy? Já tem a desse mês?

- Tá ai... Se o Juvenal num levou pra casa, amém... Mas tá ai sim.

- Ah, tá, beleza... Vai demorar ai? Cadê Renezinho?

A pergunta ficou no ar. Seu Renê fingiu não ter ouvido e continuou varrendo os cabelos do chão do dia anterior. Estranho. Minutos depois Renezinho entra na barbearia.

- E ai Renezinho, como é que tá meu velho?

- Tudo em paz, decão. Que é que cê manda tão cedo?

- Porra, Renezinho... É óbvio que vim aqui cortar meu cabelo. Tá grande, ó.

- Oxe. E com quem? Eu tô fora. Painho te falou não?

- Fora de que rapaz?

- Fora daqui, oxe. Tô lá em Messias na Paulo VI.

- Saiu daqui foi? Que porra é essa Renezinho?! Sair daqui da barbearia pra ir praquele salão de mulherzinha cortar cabelo de playboyzinho... Tá aviadando é?

- Playboyzinho que paga muito melhor, otário. Quero morrer de fome aqui eternamente não. Comendo esse mingau de Zuleide e a quentinha de Dona Maria não. Tá louco.

- Ofenda elas não que são de respeito.

- Né ofensa não. Lá mesmo em Messias ele pagou até um adiantamento pra mim. Tava precisando.

- Precisando o que Renezinho!?... Sua clientela toda aqui e você se muda pra outro canto. Seu pai, ó paí.. Rapaz, tu tá ficando é doido. Onde é que vou cortar cabelo agora? Longe pra caralho daqui de casa.

- Juvenal corta bem.

- Juvenal é uma merda. Corta parecendo jardineiro e mal sabe usar gillete quanto mais uma tesoura. Mas... Porra! Sabe quanto tempo corto aqui na barbearia? Contando com seu pai e agora com você? Lá se vão mais de 30 anos.

- É mermo?

- É sim. Nunca mudei nesse tempo todo. Já tô casado pela terceira vez, tive dois filhos, mudei de casa aqui mesmo no bairro, troquei de emprego umas 10 vezes... Mas, porra!! De barbearia eu nunca mudei. Tô ai com vocês mais de 30 anos!

- Pô, Deco, assim até ficou chateado, mas num posso fazer nada.

- Renezinho, você tá dando mole. Aqui é seu lugar. Eu troco de mulher e tudo mais, mas trocar de barbeiro, de time e de buteco é foda, mermão... Troco não. Mas você indo pra longe assim vai ficar complicado.

Deco ficou chateado, é verdade. Enquanto conversava viu o buteco de Freitas abrir na frente da barbearia. Foi lá falar com Seu Freitas, dono do bar que Deco freqüenta há mais de 30 anos. Minutos depois de conversa ele voltou. Convenceu Renezinho a cortar pela última vez seu cabelo ali na Barbearia de Seu Renê.

De tarde Deco ouvia o jogo pelo rádio com o humor abalado. Seu time foi goleado e então desceu pro Freitas pra tomar aquela gelada. O bar num era mais o mesmo: dos tempos de ouro de seresta e muita mulher à atualidade de putas e travestis decrépitos que habitavam o local. Decepção.

Dois meses depois, nosso amigo resolveu que era hora de cortar cabelo novamente. Desceu do prédio e passou pelo bar do Freitas e cumprimentou amigavelmente, como sempre fazia: “E nosso time, hein?! Esse ano vai!”. Com a crença renovada ainda, Deco seguiu ao ponto de ônibus. O destino era o salão chique de Renezinho. Ninguém cortava cabelo como ele.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Monocultura

Eu tenho a sensação às vezes que Salvador é uma cidade tão atrasada e provinciana que nossas matrizes culturais ainda estão enraizadas no passado.Como se, culturalmente, nós só tivéssemos existidos em alguns momentos espaçados de toda nossa história.

Nosso cenário atual, portanto, é desanimador. Não estou aqui sendo burro ao criticar axé music/indústria do carnaval, que roda o mundo e leva o nome da Bahia. Mas a questão é mais profunda: não há uma cultura baiana verdadeiramente forte e que se sustente, assim como aconteceu em outras épocas. E isso é triste, eu confesso. No passado tínhamos Gregório de Matos e sua poesia satírica, levando com ele uma série de outros poetas que percorriam as ruas de Salvador e conviviam num ambiente cultural mais animador. Tivemos também Castro Alves, poeta de versos amplificados por todo o Brasil. Até no século passado fomos muito bem representados em diversas áreas, como pintura (Carybé), literatura (Jorge Amado e João Ubaldo, que escreve até hoje), música (Caetano e a trupe de Santo Amaro, etc etc) e até no cinema (Glauber Rocha).

Então, parece até um clichê, mas infelizmente é impossível fugir dele: vivemos numa monocultura, o que é uma coisa péssima, seja ela qual for.

Essa paralisia cultural me fez pensar nas “matrizes sócio-culturais” que permeiam nossa sociedade hoje. Cheguei a alguns nomes que formam a árvore genealógica do baiano. Posteriormente colocarei aqui, mas se tiver alguma dica ou sugestão, pode mandar.