quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O Encantador de Feridas

Josué acordou assustado. Igual àquele sonho ele nunca viu, ou melhor, nunca ouviu falar. Já há duas semanas que se repetia a mesma história na mente doce do rapaz: um avião sobrevoava Salvador e jogava bombas em locais estratégicos, como o Palácio do Governo, o Teatro Castro Alves e o Pelourinho. Ele assistia a tudo, mas não era atingido por nada, só se assustava e invariavelmente acordava quando Márcia vinha descendo a Bonocô andando de skate e com gases e soro fisiológico nas mãos.

A imagem de Márcia andando de skate era dantesca. Enquanto preparava o café, Josué se arrepiou só em pensar naquela gorda cheia de varises subindo num frágil pedaço de madeira acrescido de rodas minúsculas. Isso lhe assustava, e não as gases e o soro, pois ele associava logo a sua profissão. Josué era auxiliar de enfermagem.

No Hospital Geral do Estado, o rapaz, 25 anos, recém-formado na turma de curso técnico, cuidava do setor chamado “geralzão”, aquele povo que ninguém sabe bem como classificar e joga de qualquer forma. Josué, assíduo e perspicaz, procurava aprender tudo da melhor maneira possível para não errar, mesmo que estivesse cuidando de um bandido ferido. Ética acima de tudo, pensava o garoto. E não poupava esforços. Como aquele era o setor mais nojento e decrépito do Hospital, os novatos eram mandados diretamente para lá. Era comum pessoas morrerem de gangrena e infecção generalizada, mas paciente de Josué não.

O maior orgulho dele era cuidar de feridas. Certa vez Josué viu um filme chamado “A Encantadora de Baleias” e achou belíssimo, chegou a chorar enquanto sugava um refrigerante sem gás. Resolveu então adotar esse apelido para ele mesmo, só mudando o destino do encanto. As feridas eram muito bem cuidadas. Ele lavava, esterilizava e fazia todo o asseio da melhor forma possível.

E Josué era feio. Não que isso interferisse na sua brilhante carreira de cuidador de feridas, mas ele chamava atenção ao avesso. Até por isso Márcia, a gorda varizenta, dava em cima dele descaradamente. E Sinéia também, essa com 1m80 de altura, mas que não podia doar sangue de tão magra.

A bonita do pedaço era Maria Edelzina de Jesus dos Santos, assim mesmo pomposo e grande, do jeito que Josué gostava de ouvir um nome. Religiosa no nome, mas safada no meio médico local. Ela era também auxiliar, mas, diziam as más línguas do Hospital, ia para cama com muitos médicos e até pacientes. Quem não tinha tesão por ela? Josué, do alto de sua feiúra, banhava-se no próprio suor todo dia se masturbando no vestiário masculino. Uma vez roubou a calcinha dela de dentro do armário. A facilidade foi tão grande e o cheiro tão excitante, que o rapaz pensou em algo brilhante e fatal.

Era uma sexta-feira. Josué saía às 21h, mesmo horário de Maria. Ela pegava ônibus do outro lado da Av. Ogunjá, mas antes que lá chegasse precisava subir uma rua deserta. Ele foi até lá, escondeu-se e, com um ralador de cebola, ralou a mulher toda. Antes, claro, deu éter para Maria cheirar. Não viu nada.

Josué não se fez de rogado e ainda saiu como herói. Levou a bela mulher às pressas para o próprio Hospital para o pronto atendimento. Maria era uma pena de se ver: toda retalhada, dos braços ao rosto, ela mal era reconhecida pelos parentes. Josué olhava de longe e ninguém desconfiava do que realmente tinha acontecido. A polícia chegou a ser acionada, mas nada encontrou.

Os dias seguintes foram os mais felizes para Josué. Daquele dia em diante ele passou a pegar o turno da madrugada no setor “geralzão”. Felicidade era pouco, pois todo dia ele transava com ela, mesmo desacordada. Quando Maria dormia, Josué vinha com anestésico e aplicava na mulher, virava ela de costas e não perdoava a (pretensa) virgindade anal dela. Os outros pacientes nada desconfiavam, pois dormiam os sonhos dos justos em seus leitos.

Numa bela sexta-feira, às 6h, Josué voltava tranquilamente para casa, em Cajazeiras. A bunda volumosa de Maria ainda permeava seus pensamentos, quando ele viu seu ônibus e levantou o braço, chamando o coletivo. Não deu tempo de entrar. Uma bicicleta doida veio de longe e acertou em cheio suas pernas, jogando-o para debaixo do ônibus, que já arrancava. A cena foi degradante.

Josué perdeu o braço e o bom sexo de todas as madrugadas. Mas ganhou uma realidade já conhecida. Todo dia quem vinha fazer o curativo era Márcia, gorda, com varises e muitas gases e soro fisiológico na mão. Nos novos sonhos, Josué traçava Márcia de quatro para todo o Hospital ver.

8 comentários:

Ramon Pinillos Prates disse...

Bizarro!
ehehehehehe

Paulo Bono disse...

muito bom, carreiro.
trágico, inventivo.
abraço

Anômima disse...

"Isn't it irocnic?"
Hahaha, bem feito pro FDP!

Sunflower disse...

cadê o meme?

jorginho da hora disse...

O mais interessante na sua prosa, além da ironia no final, é que por tras de tanta tragedia existe uma sutileza humoristica de muito bom nível. Parabens!

Anônimo disse...

Grande contista! Dizem que toda história é, de certa forma, autobiográfica. O que tem de Rodrigo nela?
Abraços!

Flávia disse...

Kill Bill versão sertão.

Muito legal :D

Beijos!

Anônimo disse...

sick, man!
essa sujeira é o tipo de coisa que me antena.