sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Crônica de uma noite errante

Vinha andando pelo Corredor da Vitória com as mãos abanando e o coração apertado. O passo torto e o nariz coçando talvez indicassem uma carreira de pó cheirada minutos atrás. Cristina era tímida demais para chamar alguém para lhe acompanhar naquela sessão cult de cinema.

O filme já era um fator de espantar amigos: rodado na china comunista, sob um olhar Polonês e com atores galeses. E era quase um pornô, não fossem as críticas positivas dos intelectualóides de plantão. Na sessão, apenas mais dois casais gays e só ela perdida na imensidão de uma cadeira escondida no canto da sala.

Na mente, ela mal conseguia organizar as idéias e nem percebeu quando um dos homens voou por cima do outro, realizando uma posição sexual tão inovadora que era preciso virar de ponta-cabeça para entendê-la. Pobre Cristina, que à essa altura tinha a calcinha molhada de tesão não pelo filme, mas pelos homens se pegando. Mesmo assim, achou aquilo tudo muito sujo e saiu da sala aos prantos.

Estava sozinha, com a bolsa a tiracolo e o olhar perdido na avenida grande à sua frente. Perambulou mais uns minutos rumo à Praça do Campo Grande. Era uma tarde, quase noite, típica de um domingo perdido no meio do ano. Olhou as flores, mas não se encantou por nada. Pensou em ir ao Teatro Castro Alves, mas decidiu ficar por ali mesmo, sentada chupando um sorvete de coco. Derreteu todo em sua mão, porque a garota não conseguia esconder sua frustração com a vida e com aquele pobre cachorro que olhava pra ela à espera de alguma migalha: “que maldita vida é essa que reserva uma alma a um cachorro sarnento pedindo uma gota de sorvete?”.

Padeceu diante das luzes dos carros, e mais uma vez andou em direção contrária a seus próprios pensamentos. Topou num bar de esquina, já quase virando a Avenida Sete. Sentou, acendeu um cigarro esmigalhado e pôs-se a beber em goles homeopáticos a cerveja que vinha sem gosto. Puxou, então, de dentro de sua bolsa uma carta amarelada, talvez pelo tempo, talvez por outra coisa qualquer. Limpou o rosto e olhou para os lados, como quem esconde algo, e abriu a carta. Fechou imediatamente, pois um mendigo sujo roubou sua bolsa e saiu correndo. Nem teve tempo de nada.

O mendigo foi derrubado com um golpe certeiro com a perna, dada por um cidadão não menos suspeito ali mesmo em frente ao bar. Cristina somente olhou de soslaio e nem esboçou um obrigado ao rapaz. Pagou a conta e se foi.

Cruzou a rua e parou defronte à Casa D´Itália. Fitou durante exatos 5 minutos um cartaz de uma mostra de esculturas australianas. Pensou mil vezes tentando entender como uma casa de cultura italiana podia servir de lar para uma exposição de outro continente. Olhou para os lados novamente e entrou. Lá dentro encontrou uma mesa. Estendeu o cartão de crédito e soltou o pó todo em cima. Mais uma carreira.

Foi o suficiente para mais uma caminhada sem rumo, mas apressou-se quando viu atrás de si duas mulheres cochichando. Correu, de verdade. Adentrou o Hotel da Bahia como um raio e fugiu pelas escadas. Chorou novamente entre o segundo e o terceiro andar, mas foi interrompida pelo toque do celular. Balbuciou qualquer coisa e subiu a seu quarto.

Lá fora, em frente ao hotel, centenas de pessoas já se aglomeravam procurando por Cristina. A famosa cantora americana, ninguém sabia, chorava abraçada a uma carta.

4 comentários:

Sunflower disse...

Bom, pelo contexto não é a Aguilera.

Mas, ei, eu levo extremamente a sério esse lance de ser superficial para não ser chamada de cult. Ou intelectual. Exige muita dedicação esse lance de ser abstraída o tempo todo.

beijas

Anômima disse...

Hum, seria uma carta de despedida? Cada vez que leio seus textos tenho mais vontade de conhecer a Bahia. Quem sabe nas minhas férias ano que vem...

Paulo Bono disse...

eu sempre quis escrever alguma coisa que tivesse o campo grande, corredor da vitoria como cenário.

grande abraço, carreiro

Anônimo disse...

Rodrigão, depois junte todas essas crônicas e publique!
Abraços!