
É engraçado. Em fevereiro, todos estão estampados na TV para milhões de brasileiros assistirem o que muitos dizem ser a maior festa popular do mundo, feito esse bastante controverso. Os planos publicitários não negam: o negócio dá dinheiro e não é à toa que no último carnaval a prefeitura conseguiu vender com folga as cotas de patrocínio. Os blocos, grandes mantenedores da folia, acumulam cifras cada vez mais astronômicas para estampar nas camisas e trios marcas nacionalmente famosas. Mas porque então as estrelas do axé só se voltam ao estilo nesse período do ano?
Claro, muito longe daqui existem as micaretas, que movimentam mais outros milhões (curioso que em se tratando de axé tudo é em “milhões”) por todo país. Ninguém se engana, mas Ivete e Claudia Leite, pra ficar apenas em dois nomes, faturam rios de dinheiro com essas festas. Mas musicalmente falando, o papo é outro.
Somente esse ano, vários estandartes do axé music lançaram trabalhos em outros ramos musicais. Margareth Menezes acaba de jogar no mercado seu novo disco, “Naturalmente”, recheada de canções compostas por Nando Reis, Chico César, Gilberto Gil, Arnaldo Antunes e Marisa Monte. Axé? Muito longe disso. A própria disse que queria se distanciar do som da Bahia. Ivete Sangalo é outra, que acaba de lançar um CD de música infantil juntamente com Saulo Fernandes, outro baluarte da atual cena baiana. Daniela Mercury, não precisa nem dizer, já figurou no cenário brasileiro ao som de canções que beiravam a MPB voz e violão. E Carlinhos Brown? Músico inquieto e extremamente criativo, já viajou por estilos variados, mas sempre com sucesso nacional. O Jammil também andou se aventurando pela onda acústica, assim como Cheiro de Amor (que ainda vai lançar). Luiz Caldas também não fica de fora: lançou esse ano 4 CDs distintos, cada um num estilo diferente.
Auto-afirmação
O problema do axé é a auto-afirmação, já que todo esse cenário de 10 meses no ano só vem para confirmar essa tese. Criticados por serem superficiais e fracos musicalmente, eles se voltam, durante o ano, para trabalhos mais autorais e aprofundados, sem perceber que essa não é a praia deles. O resultado quase sempre é ruim. O mundo pop já provou que querer agradar somente a crítica somente não leva ninguém a lugar nenhum. Alguém lembra do caso Netinho? Ele abandonou uma carreira de sucesso no axé para cantar mpb/pop e se deu mal, tão mal, que voltou correndo para as tetas da indústria do axé anos depois.
Para não cair no erro do ex-Banda Beijo, os artistas de hoje fazem o jogo da balança: de março a dezembro tentam se afirmar musicalmente tocando coisas fora do axé, e nos dois meses seguintes correm ofegantes para as tetas da mamãe axé. É claro, não admitem de forma alguma o problema, mas a cada ano essa questão vem crescendo. É só ver nos blocos em fevereiro a alegria carnavalesca dos milhões.

Pensa que eles ligam? De forma alguma. Em fevereiro estão lá, prontos para mais um ano de folia, esbaldação e exploração do profano.
Contra a maré
Mas há quem vá contra a maré. Chiclete Com Banana, por exemplo, navega tranquilamente no barco do axé sem (quase) nunca o renegar. É fato que vez ou outra gravaram um disco de forró, mas nunca deixaram de lado o estilo que o consagraram. Assim faz também o Asa de Águia e outras bandas menores de pouca expressam, mas que não se sentem sujos ao abraçar o axé o ano todo. No caso desses não há vergonha. Muito mais honesto.