quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A Terra de Ninguém em lugar algum

Caros, é com um misto de pesar e alegria que eu comunico o fim deste blog. Eu sei, é triste, é ruim, é chato, mas não se preocupem porque eu não vou abandonar a blogsfera. É que agora eu penso em vôos mais altos.

Estou iniciando o projeto de um novo blog, que eu pretendo deixar ser muito mais ágil e pouco mais profissional, não que isso vá deixar a parada meio gélida ou algo parecida, mas será algo mais legal e dinâmico. Eu curti muito esse blog, a proposta, os posts, os contos e as amizades virtuais. Mas é chegada a hora.

Como eu estou focado no novo blog/site, quase não me sobra tempo para pensar em escrever nada por aqui – nem mesmo contos. Na verdade, eu não pretendo parar de escrever os contos, porém não terei mais esse espaço para publicação. Tentarei outros.

Sobre o novo projeto, já adianto que é sobre cinema e música, temas que eu já havia flertando nos últimos tempos e que cada vez mais me dá vontade de escrever sobre. No momento, esses são os assuntos que me interessam mais e que eu tenho mais tesão de escrever, portanto, serão eles que vocês, eu espero, irão ler.

Fiquem atentos aqui mesmo. Quando tudo estiver pronto eu posto aqui o novo endereço. Até breve.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Creolina

Em dia de futebol na comunidade o povo todo se alvoroçava. E não era diferente para Mário, mais conhecido como Zinho. Dono de uma habilidade duvidosa, o rapaz era sempre um dos últimos a serem escolhidos, mas nunca ficava de fora. Ele era o alvo de gozações da turma, aquele o qual seria sempre o papo ao final do jogo.

Mas ele nem ligava. Em 2008, tinha conseguido jogar praticamente todas as partidas, mas ainda faltava conquistar um título. Poderia ser qualquer um, até mesmo uma taça simbólica disputada em apenas uma partida entre São Cristóvão e Castelo Branco. Bairros distantes, mas que nutriam uma rivalidade especial. Era praticamente um clássico da várzea de Salvador, maior do que Piatã x Itapuã ou Nordeste x Vale das Pedrinhas. E Zinho era o atacante reserva de São Cristóvão.

No dia do jogo, ele acordou mais cedo do que o habitual. Sempre guardava suas roupas no armário recheado de creolina, que era pra dar um cheiro todo especial. É fato que o uniforme e as meias ficavam com um odor nauseante, mas isso pouco importava para o “quase-gol”, como era apelidado. A creolina era uma tradição familiar. Quando era pequeno, Zinho acordava de manhã com o cheiro do artefato vindo de suas roupas que sua mãe trazia para ele usar. E assim ficou. A creolina era, aliás, um dos motivos de gozação para o rapaz. Os amigos do futebol não perdoavam aquele cheiro nauseabundo e forte que vinha da camisa número 18 surrada. Zinho sorria e seguia em frente.

Mais tarde, quando todos já se preparavam para entrar em campo no tão esperado clássico, a esposa de Edmílson entrou em trabalho de parto e o principal atacante da equipe de São Cristóvão estava fora da partida. Sorte somente para Zinho, porque todo time lamentou a ausência do artilheiro. O substituto olhou em volta e viu toda comunidade reunida e não pestanejou em acenar, embora não obtivesse resultado. Corou, mas continuou a preparação.

O jogo foi como qualquer jogo de várzea: muita correria, vários passes errados, gols feios e muita confusão. Como não poderia ser diferente, Zinho também se envolveu em algumas brigas com os rivais, mas nada que mudasse o rumo da partida. E foi assim até o fim do jogo, com a vitória da equipe do número 18. Não marcou nenhum gol, mas ele saiu cantando um arrocha* meloso e provocativo, que rendeu-lhe, sem nem saber de onde partira, um soco no meio do rosto. Saiu atordoado do meio da confusão, mas avistou o adversário que corria em outra direção. Zinho tirou as chuteiras e correu atrás dele e só alcançou muitos metros depois, mas conseguiu encher o outro de porrada. Espancou de verdade e ficou com as mãos banhadas em sangue.

O time de Castelo Branco saiu humilhado e Zinho como um quase herói, mesmo não tendo marcado nenhum gol na partida. O churrasco do final do jogo foi bastante comemorado, com direito a muita cerveja e carne de segunda. Zinho dançava sem parar, chacoalhava seu cabelo e olhava as meninas de saia. Uma delas era Jaqueline, uma negra alta e um pouco gorda, mas que ostentava uma bunda que mexeu com a cabeça de rapaz. Os dois se entreolharam a festa toda, até que ela deu a senha e saiu do meio do pagode. Ele foi atrás e os dois se encontraram felizes com um beijo na entrada de uma viela. Escorregaram furtivamente para o lado escuro da rua e começaram uma dança sexual que só parou com o urro de gozo da moça, tapando o nariz para fugir do cheiro de creolina.

Zinho comentou com os amigos sobre Jaqueline, mas ninguém levou a sério, afinal, ninguém sabia quem era aquela mulher. Mesmo com descrição, nome e tudo mais, nenhum morador sabia quem era. Zinho continuava sendo alvo das chacotas alheias, mas pretendia acabar com aquilo. Com o telefone dela em mãos, ligou e marcou encontro com a moça, que veio, porém não chegou a entrar no bairro. Preferiu esperar o rapaz na praia de Itapuã, bem em frente à estátua de Iemanjá. Os dois conversaram e tomaram sorvete, mas não agüentaram de tesão e foram a um motel sujo da esquina. A primeira coisa que ela fez foi tirar a roupa dele, que exalava creolina por todo estabelecimento. Na saída, Zinho seguia sua sina de ser alvo de gozações, dessa vez porque o fedor de creolina se misturou ao do suor pós-coito sem banho, e a cena dantesca estava formada.

Mesmo com a tradição da creolina, Zinho levou seu romance em frente, embora Jaqueline não quisesse nunca entrar na comunidade. Marcava sempre em outros locais, mas nunca perto da casa dele e, claro, ele continuava sendo vítima da gozação dos amigos, que nunca viam sua bela namorada. Ainda assim, Zinho não se fez de rogado e manteve-se fiel a ela e, alguns meses depois, resolveu que iria casar. Jaqueline era só alegria.

Com a data do casamento marcada, Zinho enfim iria mostrar aos amigos sua noiva. E assim foi feito. Ninguém acreditou, pois a moça estava linda num vestido branco de noiva e doida para embarcar na lua de mel rumo a Aracaju. Quando se arrumava para embarcar no Uno 96 emprestado por Deco da padaria, Zinho mexia nas roupas cheirosas por um amaciante diferente. Por um momento achou estranho, pois aquela era a primeira vez em sua vida que um amaciante era usado em suas roupas. A sensação era muito boa, mas com o tempo foi passando. Assim como seu casamento.

De roupa lavada na máquina de lavar e embebida em bastante amaciante, Zinho pegou Jaqueline na cama com outro rapaz alguns meses depois do casamento. Era um homem que ele conhecia de algum lugar, mas era difícil de identificar, pois a cicatriz no rosto era imensa. Puxou a faca na cozinha e fez o homem confessar seu nome. Sim, era o mesmo que um ano atrás ele havia espancado no clássico de futebol. Isso aumentou ainda mais a raiva de Zinho, que matou o outro com cinco facadas. Antes de estrangular a mulher, amarrou-a na cadeira e a botou para assisti-lo lavar roupa do mesmo jeito que ele sempre lavou: com bastante sabão de coco e uma boa dose de pastilhas de creolina para conservar.